Ao longo da sua existência o Homo Sapiens conseguiu conquistar todo o planeta e dominar todas as outras espécies. Mudou irreparavelmente a paisagem terrestre, provocou dramáticas alterações ecológicas, extinguiu espécies e hoje tem o poder de modificar o processo evolutivo da sua própria espécie ao tornar-se dono do seu próprio ADN.
Até há cerca de 100 mil anos várias espécies de hominídeos percorriam vastos territórios do planeta em busca de alimento e abrigo. Australopithecus, Homo Habilis, Homo Erectus, Homo Neanderthalensis coexistiam com outro hominídeo sem nada de especial, o Homo Sapiens. Esse hominídeo levava a sua existência sem causar grandes impactos no mundo ou nas suas comunidades. Como todos os outros animais vivia de acordo com a sua natureza, não inovava, não quebrava regras, não transcendia a sua natureza.
Mas há cerca de 70 mil anos algo aconteceu que provocou alterações no programa existencial desse hominídeo. A esse momento de viragem chamamos Revolução Cognitiva. A partir desse período o Homem começa a pensar no mundo de uma forma abstrata. Pela primeira vez tinha a capacidade de contar histórias e ficções. O ato de contar histórias é um dos traços que mais caracteriza a humanidade, é o que nos possibilitou, ao longo da história, construir amizades, hierarquias, caçar ou lutar juntos. Ao contrário de outros primatas, como os chimpanzés, que constroem colónias de até 50 indivíduos, nós conseguimos formar bandos maiores e mais estáveis. Com as ficções surgiram os mitos, e com eles as religiões. Essa enorme transformação permitiu que grupos de elevado número de indivíduos, ligados entre si por crenças comuns, colaborassem e contribuíssem para causas maiores. O surgimento das ficções permitiu que grandes números de indivíduos pudessem cooperar se acreditassem na mesma história. A cooperação humana em grande escala depende da existência de mitos partilhados que apenas existem na imaginação coletiva. Isso permitiu que dois católicos que nunca se conheceram, por exemplo, pudessem lutar juntos nas cruzadas. Dois advogados que nunca se viram possam trabalhar juntos para defender um desconhecido, baseados num sistema judicial e mitos jurídicos partilhados. Um exemplo do quotidiano, o dinheiro. Objetivamente o dinheiro pouco valor tem. Uma nota ou uma moeda não serve para comer ou para nos cobrir. Um cartão de crédito ou débito para muito menos ainda. Mas no mito que juntos partilhamos ele passa a ser real. O dinheiro é um sistema de confiança mútua. O dinheiro é o mais universal e eficiente sistema de confiança mútua que o Homem inventou. Independentemente da religião, credo, ou cultura todos têm um grande apreço por dinheiro. Todos acreditam na sua existência. Ele é real. É esse fenómeno de contar histórias e de criar mitos que mobiliza milhões de pessoas em torno de objetivos comuns que é conhecido comoRealidade Imaginada.
Outros animais sociais, com divisão de tarefas e organizados em classes como no caso das abelhas, não têm a capacidade de se unir em torno de causas. Nessas sociedades não há regicídios nem revoluções operárias. Não há essa flexibilidade. Só a espécie humana tem essa sofisticação. Ao contrário das abelhas, o homem consegue sair da sua programação para resolver problemas e mudar o curso da sua vivência.
No segundo grande salto evolutivo, com a revolução agrícola, o homo sapiens tornou-se sedentário. Passou a cultivar os solos e a domesticar a caça. Com esta mudança deu-se um enorme crescimento populacional. O alimento era mais abundante, e eram exigidos mais braços para trabalhar a terra. Associados a esta mudança surgiram novos problemas. As secas, pragas, roubos e guerras obrigaram naturalmente ao surgimento de novas estruturas sociais, mais complexas. Surgem as cidades, exércitos, moedas, estados e um crescente fluxo de trocas entre diferentes culturas e regiões.
Em meados do século XV, com a expansão marítima europeia, o mundo transforma-se drasticamente. É o início da era da globalização e da revolução científica. O conhecimento rigoroso e objetivo dos mecanismos que regem a Natureza e o Universo trouxeram ao Homem um crescente conforto e bem-estar. Ao longo dos últimos 500 anos uma corrida pelo conhecimento e procura de soluções, que evolui de uma forma exponencial e se autoalimenta, mudou profundamente o mundo. A partir do século XIX a ciência registou enormes progressos, afastando cada vez mais o sujeito da sua experiência de vida biológica.
Presentemente, os progressos científicos e tecnológicos nas áreas da genética, biotecnologia, nanotecnologia, medicina, informática e inteligência artificial parecem conduzir-nos ao que alguns especialistas chamam a singularidade tecnológica. Este é o evento histórico, algures num futuro muito próximo, em que a inteligência artificial superará a inteligência humana, provocando alterações profundas na própria natureza humana.
Filósofos e cientistas discutem cada vez mais as questões éticas e como prevenir o que acontecerá se perdermos o controlo das nossas máquinas. Alguns estudiosos argumentam que este será o fim da humanidade. Num futuro em que as máquinas tivessem capacidades cognitivas superiores às do seu criador, e não dependessem mais dele para se auto-aperfeiçoarem, o Homem tornar-se-ia obsoleto.
Outros acreditam que após este acontecimento os sistemas computacionais tornar-se-iam autoconscientes e os interfaces homem-máquina seriam tão complexos que seria necessário um processo evolutivo, físico, do próprio homem e a ampliação da inteligência humana através da biotecnologia e da nanotecnologia. A integração homem-computador seria necessária para o surgimento de uma superinteligência hibrida. Essas alterações tão profundas levariam os humanos a evoluir para uma nova espécie biomecânica – o übermensch. Uma nova espécie capaz de superar as suas limitações cognitivas, ligada em rede, e em que o indivíduo se funde com o todo, à imagem do que acontece nas modernas redes computacionais. Uma espécie que evoluiria, uma vez mais, alcançando a transcendência ao abdicar do seu corpo e pela sublimação da mente biológica para uma entidade hibrida e coletiva.