Vou elaborar este trabalho, relacionando uma performance de dança contemporânea com os conceitos de biopoder (Foucault) e hipermodernismo (Lipovetsky).
A peça "Hyper", apresentada no Festival de Dança Contemporânea 2018, é baseada na obra "Os Tempos Hipermodernos" (2011) do sociólogo francês Gilles Lipovetsky (1944).
O hipermodernismo é nos apresentado como uma construção sociológica que procura refletir sobre uma época sem espaço para a descoberta e novas experiências, reinada por um ritmo frenético, onde tudo acontece quase simultaneamente. Nesta era impera a preocupação e incerteza sobre o futuro em que nos encontramos apegados à ideia de conservação e obececados pela passagem do tempo. Assim, vivemos de forma a precaver o amanhã, um amanhã onde poderemos finalmente usufruir de tudo o que não temos tempo para usufruir hoje.
Ora é também esta transformação do natural pelo cultural que define o bio-poder. De forma algo vaga, a forma de viver neste tempo hipermoderno é alterada pela obcessão pela consevação e a esperança de um amanhã melhor. Vivemos então inundados de maneiras de "durar mais tempo", constantemente estimulados por um ritmo incessante de stress e preocupação. Tudo para assegurar um futuro calmo, uma boa reforma, onde vamos viver verdadeiramente e onde depositamos todas as esperanças de felicidade. A nossa vida, em todos os aspetos, é alterada por estas regras sociais. Estudar certas áreas para arranjar um bom trabalho e conseguir fornecer para a família. Trabalhar muito para assegurar uma boa reforma. Ter filhos para ter alguém que cuide de nós, quando velhos. Dietas, exercíco fisíco e suplementos anti-oxidantes para viver mais uns anos. Vidas cheias de stress e nervos, tudo para um amanhã feliz, que raramente existe. Os nossos corpos são alterados por estas regras sociais. Mais ataques cardíacos do que em qualquer momento conhecido na história, mais doenças mentais relacionadas com stress (como ansiedades, depressão e sindromes compulssivos) e esgotamentos nervosos cada vez mais comuns. Estas "social boundaries" e "guidelines" para uma boa vida são, apenas, contruções sociais que nos fazem viver de maneira diferente, longe da nossa natureza.
A criação coreográfica de Ana Francisca Almeida expressa, através de movimentos rápidos, quedas bruscas e saltos inesperados, uma tensão enorme proveniente desta forma de viver que nos destrói, aos poucos, parecendo impossível, no entanto, fugir dela. As quatro intérpretes dançam, com solos, duetos e em grupo, num estilo mais lírico de Merce Cunningham.