É
unânime a constatação de que o período Clássico, nomeadamente o grego, constituiu
um “boom” no desenvolvimento humano a nível intelectual e social. É desse
período que surgem os valores, conceitos e ciências que ainda hoje servem de
alicerce para a estruturação de uma sociedade. A própria Democracia daí remonta;
bem como a Filosofia, a História, a Retórica, a Educação, a Experimentação
Científica, a Política… Mais tarde, e após o período de retrocesso intelectual
e civilizacional que constituiu a Idade Média, o Renascimento recuperou esses
ideais, sendo que o Iluminismo, séculos depois, os reestruturou e aplicou.
Os
pensadores iluministas introduziram a Ordem e estabeleceram a Sociedade Moderna
segundo esse ideal. Tudo deveria ser estruturado e organizado segundo um padrão
racional, claro, metódico, sem oscilações ou ambiguidades, funcional e pragmático.
Assim, surge o modelo de prisão, baseado na organização de um quartel militar,
sendo esses edifícios os pilares arquitetónicos do que uma sociedade iluminista
deveria ser: igualitária, funcional, estruturada e organizada.
Esses
filósofos e pensadores acreditavam na perfeição, e no aperfeiçoamento duma sociedade
que era imperfeita e com profundas desigualdades sociais, sob o advento do saber,
do conhecimento científico e metódico e da luz da razão. E que outros filósofos
partilhavam desse mesmo ideal? Os gregos.
Nascida
do génio de Ptolomeu durante o período helenístico da Grécia Antiga (que
sucedeu o reinado de Alexandre, o Grande), a Biblioteca de Alexandria constituía,
à data, o maior centro do conhecimento mundial. Agregava também um museu e
diversas academias que funcionavam como um instituto de pesquisa nas mais
diversas áreas. Os intelectuais que estudavam na Biblioteca de Alexandria
recebiam alojamento, alimentação, salários altos e isenção de impostos. Todo o
conjunto era administrado por um sacerdote nomeado pelo rei.
O
objetivo da Biblioteca seria o de conter “todos os livros de todos os povos do
mundo”, uma ideia ambiciosa que primava o saber e o desenvolvimento acima das
diferenças culturais, sendo que a biblioteca estava aberta a homens e mulheres
de todas as partes do mundo. Para além das obras em grego, haveriam também
obras traduzidas em variadíssimos idiomas – cerca de 500.000 rolos de papiro. O
instrumento utilizado para catalogar a gigantesca coleção era chamado de Pinakes, que continha 120 livros com
análises e listas cronológicas. O trabalho do bibliotecário passava por
garantir essa organização e melhorá-la, bem como supervisionar e participar ativamente
nas pesquisas e debates científicos nas mais diversas áreas.
O
desenvolvimento intelectual e a quantidade de descobertas científicas e
invenções durante o tempo de atividade da Biblioteca são imensamente substanciais:
por exemplo, séculos antes de se assumir e aceitar que a Terra tinha uma forma
esférica e que girava em torno do sol (Teoria Heliocêntrica, de Copérnico), já
essas conclusões tinham sido tiradas em Alexandria.
É
inevitável reconhecer-se a Biblioteca como um marco do culminar da mente
humana, da ordem e do intelecto acima de tudo o resto. A sua organização e pioneirismo
colocam-na ao nível dos ideais Iluministas que mais tarde organizaram o mundo
como o conhecemos hoje. A sua destruição (em relação à qual até hoje não há
certezas absolutas) é considerada um símbolo da perda intelectual e civilizacional
e constitui, assim, uma imensa tragédia e uma metáfora da censura e da
desvalorização da cultura e do pensamento livre.