domingo, 27 de maio de 2018

Biblioteca de Alexandria – um possível advento do Iluminismo e da Modernidade


É unânime a constatação de que o período Clássico, nomeadamente o grego, constituiu um “boom” no desenvolvimento humano a nível intelectual e social. É desse período que surgem os valores, conceitos e ciências que ainda hoje servem de alicerce para a estruturação de uma sociedade. A própria Democracia daí remonta; bem como a Filosofia, a História, a Retórica, a Educação, a Experimentação Científica, a Política… Mais tarde, e após o período de retrocesso intelectual e civilizacional que constituiu a Idade Média, o Renascimento recuperou esses ideais, sendo que o Iluminismo, séculos depois, os reestruturou e aplicou.
Os pensadores iluministas introduziram a Ordem e estabeleceram a Sociedade Moderna segundo esse ideal. Tudo deveria ser estruturado e organizado segundo um padrão racional, claro, metódico, sem oscilações ou ambiguidades, funcional e pragmático. Assim, surge o modelo de prisão, baseado na organização de um quartel militar, sendo esses edifícios os pilares arquitetónicos do que uma sociedade iluminista deveria ser: igualitária, funcional, estruturada e organizada.
Esses filósofos e pensadores acreditavam na perfeição, e no aperfeiçoamento duma sociedade que era imperfeita e com profundas desigualdades sociais, sob o advento do saber, do conhecimento científico e metódico e da luz da razão. E que outros filósofos partilhavam desse mesmo ideal? Os gregos.
Nascida do génio de Ptolomeu durante o período helenístico da Grécia Antiga (que sucedeu o reinado de Alexandre, o Grande), a Biblioteca de Alexandria constituía, à data, o maior centro do conhecimento mundial. Agregava também um museu e diversas academias que funcionavam como um instituto de pesquisa nas mais diversas áreas. Os intelectuais que estudavam na Biblioteca de Alexandria recebiam alojamento, alimentação, salários altos e isenção de impostos. Todo o conjunto era administrado por um sacerdote nomeado pelo rei.
O objetivo da Biblioteca seria o de conter “todos os livros de todos os povos do mundo”, uma ideia ambiciosa que primava o saber e o desenvolvimento acima das diferenças culturais, sendo que a biblioteca estava aberta a homens e mulheres de todas as partes do mundo. Para além das obras em grego, haveriam também obras traduzidas em variadíssimos idiomas – cerca de 500.000 rolos de papiro. O instrumento utilizado para catalogar a gigantesca coleção era chamado de Pinakes, que continha 120 livros com análises e listas cronológicas. O trabalho do bibliotecário passava por garantir essa organização e melhorá-la, bem como supervisionar e participar ativamente nas pesquisas e debates científicos nas mais diversas áreas.
O desenvolvimento intelectual e a quantidade de descobertas científicas e invenções durante o tempo de atividade da Biblioteca são imensamente substanciais: por exemplo, séculos antes de se assumir e aceitar que a Terra tinha uma forma esférica e que girava em torno do sol (Teoria Heliocêntrica, de Copérnico), já essas conclusões tinham sido tiradas em Alexandria.
É inevitável reconhecer-se a Biblioteca como um marco do culminar da mente humana, da ordem e do intelecto acima de tudo o resto. A sua organização e pioneirismo colocam-na ao nível dos ideais Iluministas que mais tarde organizaram o mundo como o conhecemos hoje. A sua destruição (em relação à qual até hoje não há certezas absolutas) é considerada um símbolo da perda intelectual e civilizacional e constitui, assim, uma imensa tragédia e uma metáfora da censura e da desvalorização da cultura e do pensamento livre.