Com o surgimento das novas
tecnologias encontrar referências que ajudem a criação artística nunca foi tão
fácil. Desenhar uma paisagem que reúna elementos de múltiplas referências é
possível apenas com o poder de uma simples busca em casa. Contrariamente ao que
acontecia há 4 séculos atrás, já não precisamos de presenciar o objeto de
referência ou percecioná-lo através de um estudo dele feito para o usar em prol
da execução artística. Mas será que esta facilidade contribui ou prejudica o resultado
e a mensagem intrínseca da obra?
A perceção de um objeto é um
fenómeno cognitivo que ocorre fora da esfera do sujeito. Durante a apreensão, o
sujeito sai da sua esfera, entra na esfera do objeto e volta com uma imagem
dele. Esta imagem não é o “todo” do objeto, é a parte absorvida pelo sujeito
que depende do ambiente em que foi apreendido, da “faceta” que foi apreendida.
Imaginemos que estamos numa conferência, sentados a meio de um auditório a
ouvir dado orador. Do meio da sala, vemos esse orador numa escala menor.
Provavelmente, falha-nos a perceção de algumas rugas na testa e traços faciais
já nos chegam meios desfocados. Esta falta de detalhe desencadeia em nós a
necessidade de “preencher lacunas”, ou seja, de desenhar como seria esta pessoa
como se à “escala real”. Todos os estímulos externos contribui, como um todo,
para a idealização do que estamos a apreender: se o orador tiver uma voz mais
suave, temos tendência a imaginar traços mais suaves; um discurso mais
intelectual leva-nos a preencher os vazios com traços que correspondam ao ideal
de pessoa idónea; mudamos para um cenário que o sujeito é um ator no papel de
um príncipe e aí as lacunas preenchem-se de acordo com o nosso ideal de
príncipe, que pode denegrir o sujeito se esse ideal for bom ou mau. Como
consequência, quando o vemos à escala real, por vezes, percecionamos uma pessoa
completamente diferente, uma que não corresponde àquilo que imaginámos quando preenchemos
as tais lacunas.
Por uma questão prática de
facilidade é muito comum vermos artistas, na sua maioria da geração mais nova,
a desenhar a partir de fotografias. Já ninguém precisa de ir aos Himalaias para
ter um pequeno vislumbre de como parece. No entanto, se mesmo com a presença do
objeto é necessária alguma observação de ângulos distintos para perceber alguns
traços que não são tão claros do ponto vista, chamar-lhe-emos, inicial, não terá
essa forma de referência que é a fotografia um impacto prejudicial no desenho
do objeto? A partir da fotografia, a apreensão do objeto sofre limitações
drásticas, não só porque estamos cingidos a um único ângulo, mas também porque todos
as restantes sensações são inexistentes. Sendo assim, temos uma experiência
sensível a tender cada vez mais para o incompleto. Nós, eventualmente, teremos
a sensação de que já vimos e sentimos tudo o que o objeto tem para dar só de
olhar para a fotografia, mas trata-se apenas da nossa capacidade inconsciente de
preencher o incompleto com um cenário ideal imaginário criado pela nossa
capacidade intelectual, adaptativa e subjetiva de ver para além daquilo que é
concreto. E, de facto, muitas vezes acontece termos uma experiência sensível
completamente diferente da fotografia, quando visitamos o local.
Agora se invertermos os papéis a história
muda substancialmente. Se visitarmos dada paisagem, contemplada e estudada de
vários ângulos presencialmente, e for tirada uma foto para recordação, quando se
for tirar partido dessa fotografia como referência, apesar de não ser a
completa experiência sensível, o sujeito já transfere essa mesma experiência
para a fotografia que tem diante de si, e aí temos uma aproximação maior entre as
referências. A diferença na perceção de ambas já não é tão drástica.
Quando falamos em técnica, ou
seja, estudar o objeto, procurar uma apreensão que tenda para a infinidade do seu
todo garantido uma maior fidelidade entre ele e a representação, não resulta
trabalhar a partir de uma referência fotográfica. Mas na criação artística,
posterior ao estudo de todos os elementos que possivelmente a vão compor, ela
já constitui um bom instrumento de fácil acesso, que permite a representação de
algo ideal para o artista e que só é tangível a partir da arte.