A exposição temporária No Place Like
Home, que ainda ocorre no Museu Coleção Berardo, traz cômodos e objetos que propõem uma reflexão
sobre a nossa familiaridade com o ambiente da casa, de modo a nos confrontar
com a subjetividade das coisas e dos espaços, a partir de uma nova percepção
sobre o lar e as coisas. A partir das ideias de Duchamp e do movimento Dada, a
transição funcional do objeto doméstico para obra de arte, faz-lhe instrumento
de investigação para o artista, que o permite analisar e criticar, neste
contexto, os papéis de gênero no trabalho doméstico, sobre o espaço central na
formação da família e a identidade cultural.
Segundo Jean Baudrillard, “Os móveis se contemplam, se oprimem, se enredam
em uma unidade que é menos espacial do que moral [...] Neste espaço, cada
móvel, cada cômodo por sua vez interioriza sua função e reveste-lhe a dignidade
simbólica: completando a casa inteira a integração das relações pessoais no
grupo semi-fechado da família”. Com essa ideia e com as discussões de
Simone Beauvoir, no seu livro O Segundo Sexo, sobre o desenvolvimento da
mulher, desde seu nascimento até a vida adulta, podemos caracterizar as
diferenças de gênero ao interior de uma casa, temáticas essas que foram
trazidas na exposição citada.
Beauvoir acredita na ideia de castração
como privação do desenvolver da liberdade, ímpetos naturais que todo criança
tem, a partir da ideia de uma segunda desmama, momento que, as crianças um
pouco mais velhas, os carinhos dos pais passam a ser mais as meninas que aos
meninos, já que esperam que estes sejam “os homenzinhos” da casa, de modo a
compensar esta perda afetiva dos meninos, estes encarnam em seu sexo sua
soberania orgulhosa, reconhecendo assim seu alter
ego. Já para as meninas, para desempenhar seu alter ego, põe-lhe uma boneca, algo passivo de corpo inteiro,
ensinam-lhe fazer-se objeto, renunciando sua autonomia e liberdade.
A partir dessa diferença de desempenho
de alter egos, cada um terá uma
relação diferente com a família e com o ambiente da casa, como as mães almejam
integrar as filhas no mundo feminino, e estas aceitam entrar nesta sociedade
das matronas para construírem sua superioridade, logo percebem que seu mundo é
passivo e que apenas os homens podem se aventurar pelo mundo, que são heróis e
autônomos. Isso pode ser transfigurado a casa facilmente, para as mulheres
cabem a boneca, ser passivo que precisa de cuidados, tudo que a estrutura
interna de uma casa precisa para se manter. Ao menino, lhe permite
aventurar-se, desenvolver sua virilidade, assim talvez a garagem, ambiente onde
se guardam as ferramentas, que tem conotação ao nascimento de ideias, e pode
ainda ser visto mais como um anexo à casa que um cômodo da mesma; assim não lhe
cabe a casa, lhe cabe o mundo.
Assim,
a exposição traz obras que nos convidam a encontrar as relações simbólicas dos
objetos e espaços da casa para além de sua funcionalidade, e pelo ponto de
vista da arte, podemos alterar esta relação, por meio da transformação de
perspectiva ao que é familiar. Como, por exemplo, a vídeo-performance Semiotics
of the Kitchen de Martha Rosler na cozinha desta casa desfigurada, onde
apresenta como usar instrumentos usuais da cozinha de maneira imprevista e não
delicada, diferente do esperado como uma mulher aja, de certa forma, dessexualiza
esta imagem da dona de casa. Agora na casa de banho, a artista Rachel Lachowicz
com a obra Untitled (Lipstick Urinals), traz 3 urinóis pintados a vermelho, que
corroboram a ideia de passividade e até submissão aos homens.