domingo, 20 de maio de 2018

Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros - As múltiplas Lisboas de Lisboa


Num momento em que a cidade passa por uma enorme transformação, muito por conta do turismo e da gentrificação, torna-se necessário lembrar do passado de Lisboa.
Tradicionalmente uma cidade cosmopolita e voltada para o comércio com o exterior, seja ele de mercadorias, seja ele de elementos culturais, revisitar esse passado (ou melhor dizendo, esses passados), torna-se uma maneira de perceber que o que Lisboa está a fazer é apenas ser ela mesma.
Quando visitamos o Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros, podemos testemunhar várias fases dessa personalidade. Quase uma "realidade aumentada" pelas várias sobreposições temporais.
Desde o séc. V a.c. que Lisboa estava ligada ao mundo. Da sua fase romana, podemos ver diversos tanques de salga onde era fabricado o Garum. Um tempero à base de peixe e que consta que era o melhor que podia haver, e que era fornecido para todo o império. Alguma semelhança com as atuais e tão apreciadas conservas que os turistas levam felizes para as suas terras?
Vemos também um mosaico romano em bom estado de conservação. Seriam os mesmos que mais tarde viriam a inspirar a calçada portuguesa. Que de portuguesa seguiu para todo o mundo e hoje é símbolo da praia de Copacabana e que pode ser encontrada em diversas ex colónias na África, Índia e China.
Somos depois confrontados ao nosso passado mouro. Aquele nome pelo qual somos chamados pelos nossos compatriotas do Norte. E vemos um forno de pão medieval, e muitos azulejos e lamparinas sobreviventes ao terremoto que arrasou a cidade em 1755. Terremoto esse que abriria as portas à Lisboa Pombalina. O tão desejado sonho iluminista que construiu a cidade sobre estacas, subjugou a própria natureza do local, e a ordenou segundo a razão em ruas retas e largas.
A mesma cidade que ainda hoje vemos. Algo confusa por tantos processos simultâneos de requalificação e restauro, mas que se sobrepõe a todos eles. Porque eles são feitos para a fazer reviver (mais uma vez…).
Lisboa segue rumo ao futuro. Talvez descurando um pouco o seu passado recente, onde lojas tradicionais são substituídas por comércio que rapidamente passará também à história. Mas é o mesmo que tem acontecido desde sempre. Vida que segue.
Quiçá, daqui a uns anos, o Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros seja tema de um núcleo sobre o núcleo. Significante que se torna significado de si mesmo.
Mas antes que o futuro se torne presente, vale ir ver de perto esses testemunhos dos nossos vários passados e perceber que afinal é apenas a história que se repete.