
Num momento em que a cidade passa
por uma enorme transformação, muito por conta do turismo e da gentrificação,
torna-se necessário lembrar do passado de Lisboa.
Tradicionalmente uma cidade
cosmopolita e voltada para o comércio com o exterior, seja ele de mercadorias,
seja ele de elementos culturais, revisitar esse passado (ou melhor dizendo,
esses passados), torna-se uma maneira de perceber que o que Lisboa está a fazer
é apenas ser ela mesma.
Quando visitamos o Núcleo
Arqueológico da Rua dos Correeiros, podemos testemunhar várias fases dessa
personalidade. Quase uma "realidade aumentada" pelas várias sobreposições temporais.
Desde o séc. V a.c. que Lisboa
estava ligada ao mundo. Da sua fase romana, podemos ver diversos tanques de
salga onde era fabricado o Garum. Um tempero à base de peixe e que consta que
era o melhor que podia haver, e que era fornecido para todo o império. Alguma
semelhança com as atuais e tão apreciadas conservas que os turistas levam
felizes para as suas terras?
Vemos também um mosaico romano em
bom estado de conservação. Seriam os mesmos que mais tarde viriam a inspirar a
calçada portuguesa. Que de portuguesa seguiu para todo o mundo e hoje é símbolo
da praia de Copacabana e que pode ser encontrada em diversas ex colónias na
África, Índia e China.
Somos depois confrontados ao
nosso passado mouro. Aquele nome pelo qual somos chamados pelos nossos
compatriotas do Norte. E vemos um forno de pão medieval, e muitos azulejos e
lamparinas sobreviventes ao terremoto que arrasou a cidade em 1755. Terremoto
esse que abriria as portas à Lisboa Pombalina. O tão desejado sonho iluminista
que construiu a cidade sobre estacas, subjugou a própria natureza do local, e a
ordenou segundo a razão em ruas retas e largas.
A mesma cidade que ainda hoje
vemos. Algo confusa por tantos processos simultâneos de requalificação e
restauro, mas que se sobrepõe a todos eles. Porque eles são feitos para a fazer
reviver (mais uma vez…).
Lisboa segue rumo ao futuro.
Talvez descurando um pouco o seu passado recente, onde lojas tradicionais são
substituídas por comércio que rapidamente passará também à história. Mas é o
mesmo que tem acontecido desde sempre. Vida que segue.
Quiçá, daqui a uns anos, o Núcleo
Arqueológico da Rua dos Correeiros seja tema de um núcleo sobre o núcleo.
Significante que se torna significado de si mesmo.
Mas antes que o futuro se torne
presente, vale ir ver de perto esses testemunhos dos nossos vários passados e
perceber que afinal é apenas a história que se repete.