"Hip to da Hop" - A evolução do movimento em Portugal e o papel da mulher no mesmo
“Hip to da Hop”, 2018, é um documentário dos realizadores António
Freitas e Fábio Silva que esteve em exibição no Festival de cinema IndieLisboa 2018.
A dupla de realizadores percorre
o Portugal de norte a sul na busca das diferentes manifestações da cultura Hip
Hop no nosso país, focando –se nas suas quatro vertentes: o rap, o DJ, o breakdance e o graffiti.
Este é um documentário que procura
mostrar a evolução de um simples movimento até ao ponto em que se encontra nos
dias de hoje para que possa manter a excelência a que sempre nos habituou. Para
isso somos presenteados com entrevistas dos maiores e melhores artistas do Hip
Hop Nacional, entre eles, Sam the Kid, Mundo Segundo, Orelha Negra, NBC, Slow
J, DJ Ride, Stereossauro, Bdjoy, TNT, Sanryse ou Sensei D.
A principal lição que este filme nos
ensina é que as quatro vertentes do Hip Hop em Portugal não envelheceram da mesma
maneira. O Rap, tornou –se na principal vertente, com o maior número de
artistas e seguidores, podendo, nos dias de hoje, ser comprado ao Rock N’ Roll dos
anos de ouro na segunda metade do século XX. Terá sido também a que sofreu mais
alterações ao nível de produção, mas também ao nível do que significa para os
seus ouvintes e na sua função social e politica, tendo perdido, na minha opinião,
alguns dos seus atributos originais, nomeadamente a mensagem que deve
transmitir. Hoje em dia o Rap demonstra a sua importância perante audiências em
festas e eventos variados, e parafraseando uma das mais altas personalidades do
Rap nos dias que correm, João Moura, antigamente os Dj’s tinham medo de passar
Rap, hoje dia, o Rap atua como uma salvaguarda de qualquer DJ, se o público não
está envolvido na festa e não demostra estar a gostar do que está a ouvir, o DJ
recorre ao Rap para chegar ao coração dos seus ouvintes e assim devolver a animação
ao evento.
O segundo grupo que mais cresceu
nas ultimas décadas foram precisamente os DJ’s. Hoje, juntam grandes ou
pequenas multidões, seja em pequenas festas ou festivais, arrastados para a
ribalta provavelmente, pelo Rap.
O Breakdance terá sido a vertente
que, em Portugal, menos se desenvolveu, é a menos conhecida, a que menos
dinheiro gera e logo por essa razão, a que menos visibilidade tem, e a qual os
seus artistas têm maiores dificuldades de subsistência devido aos poucos apoios
que recebem. Tudo isto funciona como um ciclo vicioso no qual se uma determinado
produto não gera o lucro esperado, não recebe a credibilidade e a visibilidade
que merece, e logo aí é posto a um canto. Assim sendo deixa de haver
investimento e logicamente, sem investimento não há criação.
Esta evolução toda só ganhou de
facto, os contornos impressionantes que hoje observamos, talvez em 2009 com o rapper
Regula, que terá aberto, ao mundo português, uma força de rap mais comercial,
com sons mais balados e instrumentais mais mexidos. Assim a industria
capitalista aproveita –se do Hip Hop, não só so Rap, mas também dos DJ’s para
tornar o movimento em algo comprável e fonte de grandes lucros, que com o tempo
nos fez voltar com uma força, algo perdida no inicio deste século, a um dos
principais ideais do Hip Hop dos anos noventa, o de que o mais importante são:
dinheiro, mulheres e drogas, uma imagem passada à semelhança dos gangsta rappers americanos, pelos novos
Trappers e Mumble Mappers de todo o mundo.
Esta comercialização afetou todas
vertentes, mas talvez tenha havido uma que se terá mantido mais intocável, no
seu núcleo, apesar de ter crescido em membros e evoluído nos materiais usados como
é natural, pois a evolução é também tecnológica. Esta vertente é o Graffiti, e foi a que menos se alterou
com os anos, mantiverem -se os Writers e
todo o seu conteúdo politico ou meramente de marcação de território, a
necessidade de exibir a sua arte em prol de uma reputação entre outros
artistas, com base na qualidade essencialmente técnica de uma tag, mas talvez a maior diferença
está na diferenciação no seio do graffiti entre writers e os novos street
artists sendo que o último não pinta pela reputação de rua mas cria a arte
pela arte, o importante é o belo e o enfeite, é mais pensado e geralmente de
maior escala.
A visão do Hip Hop como uma
industria permitiu então, criou a separação de cada uma das suas vertentes que
hoje em dia atuam quase sem se interligarem, e a conclusão a que se chega é que
estamos perante a extinção do Hip Hop na sua versão original, como dito pelo
rapper de quarenta e seis anos, NBC, um dos primeiros no movimento, no decorrer
do documentário.
No final do documentário, e
perante uma sala do teatro S. Jorge cheia de artistas e apoiantes do Hip Hop
nacional - onde poderíamos encontrar público de todas as vertentes e faixas
etárias, pais e filhos, old school e new
school juntos com um sentimento em
comum, o amor pelo Hip Hop, que os
realizadores proporcionaram uma conversa intima com os seus expetadores a cerca
das suas experiências e dificuldades e também
com o fim de conhecer a visão do público e as suas experiências próprias.
Nisto, ouvimos falar da plateia, Capicua, um dos maiores nomes do Rap português
no feminino. É assumidamente feminista e membro do grupo As Capazes. A sua intervenção
vai de acordo obviamente, com os ideais que defende e afirma que gostaria de
ver num próximo filme, mais representatividade das mulheres do Hip Hop, pois
neste documentário apenas uma mulher apareceu como artista.
Desta afirmação os realizadores
defendem –se com a dificuldade, legítima, de encontrar mulheres ligadas ao
movimento em Portugal, pois não foi por falta de procura, foi porque de facto porque
o número é muito menor. Mas quais são de facto as razões para este fenómeno?
A verdade é que o Hip Hop já não é
visto como algo unicamente masculino como era no seu início, mas ainda mantém
alguns estigmas em relação à mulher, principalmente no que toca ao Rap. Primeiramente,
o maior obstáculo será a temática das musicas, é ainda muito machista,
principalmente no seio dos new wave
rappers, os trappers e os mumble rappers, ligados ao ideal já
referido, em que as mulheres são quase vistas como um objeto meramente de
prazer. Na maior parte das vezes, a mulher no hip-hop só tem direito a um papel
secundário, é a dama que o rapper ostenta na música, a rapariga sexy que dança
no videoclip. A maioria dos ouvintes não está habituado a ver a mulher no papel
de rapper principal.
Outro entrave ao desenvolvimento do
Rap feminino, é o facto de numa industria controlada maioritariamente por
homens, muitas sejam desencorajadas a seguir o sonho de se tornarem MC’s graças
à falta de visibilidade que têm no seio do “Rap Tuga” devido à falta, talvez,
de ouvintes, mas também devido a contornos mais deploráveis por parte de alguns
homens que usufruem de posições mais elevadas no meio, como o assédio. Quase como
se houvesse a ideia de que para subir e sobreviver no Hip Hop a mulher tem que
agir como objeto sexual e vender o seu próprio corpo.
Estes comportamentos são altamente
deploráveis, e criminosos.
Não é isto que o Hip Hop representa na sua essência.
E, concluindo, o papel da mulher é tão importante como o do homem, Hip Hop é inspiração.
Logo, da mesma forma que qualquer rapper homem, inspira cada um de nós das mais
variadas formas, talvez tocando mais o coração masculino, pois este, em teoria
irá se identificar mais com a vivência e a mensagem nas músicas dos mesmos. Ao mesmo
tempo também as mulheres MC’s, têm o poder de inspirar a luta de todas as
outras companheiras que ainda n atingiram o seu patamar. No final, é isto o Hip
Hop em Portugal e no Mundo, é a inspiração, a luta, a igualdade, a troca de
ideias e a evolução para uma vida melhor!