Não é segredo nenhum que a presença feminina em diversos media é objetivamente inferior à presença masculina. Sendo o cinema um dos meios mais populares e visuais deste género, é inevitável nos apercebermos mais rapidamente deste facto perante esta categoria do que em outras. Mas, apesar do reconhecimento deste facto, ficaríamos surpresos perante a quantidade diminuta de objetos de consumo que passam o teste Bechdel. Restringindo agora o tema para o cinema, muitos filmes a sofrerem destes problemas são filmes de ação e, para limitar ainda mais a categoria de forma a ser mais fácil o leitor reconhecer a intenção deste texto, é necessário a adição de uma subcategoria - filmes de super-heróis - pois a categoria de ação é muito vasta em si mesma. Poucas personagens nestes filmes são do género feminino, mas as que são tendem a sofrer com os problemas abaixo descritos.
Laura Mulvey, no seu texto visual pleasures, comenta pontos interessantes que podem ser aplicados a vários filmes deste género. “A imagem reconhecida é concebida como o corpo refletido do eu, mas o seu pseudo reconhecimento como eu superior projeta este corpo para fora de si, como um ego-ideal, um sujeito alienado que, re-introjetado como um ideal de ego, á origem ao futuro gerar de identificações com outros. (...) O determinante observar masculino projeta a sua fantasia sobre a figura feminina, que é preparada em conformidade. No seu papel tradicionalmente exibicionista as mulheres são simultaneamente olhadas e exibidas, e a sua aparência é codificada para o impacte visual e erótico.”
Fácil seria dar exemplos de filmes que promovem esta imagem de que Mulvey tanto fala. Mas para este texto queria dar o exemplo de uma longa metragem que foge dos parâmetros habituais: Wonder Woman. Não é o primeiro filme de super heróis com uma protagonista feminina, mas sim o primeiro considerado blockbuster e realizado por uma mulher. E tendo conhecimento deste contexto, muito pode ser dito sobre como o filme retrata as suas personagens. Pode ser argumentado que a figura de modelo de Gal Gadot cria expetativas elevada de um “corpo refletido do eu” mas não é de todo intencional e não serve como “exemplo” para o que uma rapariga heroica se deve parecer. De acordo com a narrativa faz todo o sentido a personagem ter a forma atlética que tem e a câmara faz um bom trabalho a não distrair a audiência com ângulos sedutores do corpo da atriz. Se o filme fosse dirigido por um individuo do sexo oposto a probabilidade de haver slow motion de uma pose sexual seria muito mais elevada. O filme e, por extensão, a personagem não sofrem com o “determinante observar masculino” pois trata-se de um filme sobre uma mulher realizado por uma mulher. Não existe em mente “o que atrairia um homem a ver este filme?” mas sim “o que atrairia uma mulher”. Não é um filme nascido de um desejo de fazer a audiência masculina identificar-se mas sim para outra audiência muito menos estimada, embora ambas possam apreciar, ou não, o resultado.
