quinta-feira, 24 de maio de 2018

Questões de Género


        Por ordem da natureza, a anatomia de grande maioria das espécies divide-se em apenas dois sexos: feminino ou masculino. Esta distinção binária tem por base os respetivos orgãos reprodutivos. O corpo humano não foge à regra e segue a ordem binária de feminino-masculino (não excluindo o caso da intersexualidade). Quando um bebé nasce, temos por costume a associação imediata do seu sexo ao seu género. Por exemplo, se uma criança for do sexo masculino, é chamada de rapaz. Devido àquele que é o atual entendimento cultural do género, uma pessoa interagirá de maneira diferente com um “bebé rapaz” e com um “bebé rapariga”. No entanto, o género de cada indivíduo vai muito além daquilo que o nosso corpo dita. Em poucas palavras, Simone de Beauvoir diz-nos “Ninguém nasce mulher. Torna-se mulher”. 

A construção de um género parte da manifestação do ser humano e depende de estruturas culturais e consequentes imposições. Ao entrarmos no mundo cultural somos imediatamente confrontados com os dois papéis basilares do género: o feminino e o masculino. Para além de já existir uma constante, e errónea, agregação das palavras sexo e género, há também uma demanda por uma afincada distinção entre o masculino e feminino, quer seja a níveis comportamentais ou físicos. 

Esta distinção é uma poderesa arma nas mãos do marketing. São várias as vezes em que nos deparamos com o mesmo produto em duas embalagens diferentes: uma para a mulher e outra para o homem. Por exemplo, algo tão banal como uma caneta é confinada exclusivamente à mão de uma mulher se na sua embalagem cor de rosa adornada com florzinhas disser em letras bem grandes “FOR WOMAN”. Para o senhor, temos as embalagens em azul, cujo invólucro de plástico é enfeitado com carros e bolas de futebol. Há uma vasta panóplia de exemplos, desde tesouras a medicamentos, brinquedos, ou até produtos alimentares. Eu própria, quando vou às compras, sou conduzida à secção de champô “para mulher”. Ainda que compreenda a banalidade deste rótulo, torna-se certamente num vício. Que outro champô posso comprar se não o de mulher ou de homem? Mesmo involuntariamente, continuamos a impulsionar o entendimento de apenas duas identidades de género preponderantes e noções de masculinidade vs feminilidade.

Ainda que nem sempre se tenha manifestado desta forma ao longo da história e em diferentes culturas, a feminilidade nos nossos dias é entendida como algo desvalorizado, principalmente aquando posta lado a lado com a masculinidade. A publicidade tira partido da escopofilia, usando o corpo da mulher como um mero objeto, intensificando, mais uma vez, a sua desvalorização. A diferenciação de produtos rotulados “para mulher”, têm até por vezes preços superiores do que os “do homem”. A noção de feminilidade extrapola o sexo feminino como algo somente natural e ganha peso cultural e social, como que ser feminino de uma responsabilidade se tratasse. 
A problemática da identidade de género se se tornar subserviente de algo tão manipulativo como o setor comercial é que o conceito como o conhecemos absorverá a definição que o marketing lhe atribuirá por conveniência. A consciência da imposição desta hegemonia exige de nós - o consumidor - a procura de alternativas. Se somos o vínculo do poder cultural, e se é a nós que este afeta, as questões que levantámos acerca deste assunto, serão também uma manifestação face à normatividade. Do mesmo modo que o marketing enaltece uma segmentação de géneros, cada indivíduo tem o poder de se consciencializar face às consequências que estas etiquetas implicam perante a sociedade e consequentemente, na construção duma identidade (pessoal e cultural).