domingo, 27 de maio de 2018

Caretos e Dinâmicas de Poder Sexual


   Durante os dias de 17 a 20 de maio ocorreu na Praça do Império em Belém o Festival Internacional da Máscara Ibérica, cujo ponto alto foi a Parada de Caretos na tarde do dia 18.
   Ao longo deste festival foram celebradas as várias tradições de se mascarar presentes na Península Ibérica, este ano com participação especial do Brasil e da Irlanda, bem como as suas gastronomias que foram apresentadas em bancas na Praça do Império.


   Durante a Parada de Caretos foi possível observar ao mesmo tempo o quão diferentes e originais cada fato pode ser, mas também se pôde notar as suas semelhanças. Os vários participantes mascararam-se de criaturas sobrenaturais ou diabos e demónios, com roupa de várias cores e máscaras assustadoras que desde tempos primordiais servem para várias razões, sendo as mais comuns o afastamento de “maus espíritos”, de pestes e de doenças. Contudo, principalmente em Portugal, os Caretos, para além de afastarem espíritos maldosos, afastam especificamente esses males para garantir a fertilidade das mulheres.


   Durante milénios, a reprodução foi bastante importante para a continuação da nossa espécie: foi uma questão de vida ou de morte, já que a falta de indivíduos de uma espécie leva à sua extinção. Na falta de processos científicos e de melhores soluções para problemas do foro físico como a infertilidade, várias comunidades foram criando rituais e tradições de modo a purgar esses males.
   Pensa-se que a tradição dos Caretos em Portugal tenha começado com a chegada do povo Celta à Península Ibérica, no Perído Pré-Romano, e seja o resultado de rituais de fertilidade inicialmente agrários. Desde essa época que homens, e mais recentemente mulheres, se vestem com fatos de lã de várias cores, máscaras de couro, madeira ou latão e usam cintos repletos de chocalhos ou sinos com o propósito de perseguir e “chocalhar” (ato de abanar os chocalhos) jovens virgens e solteiras. Assim, garante-se que elas sejam férteis e possam procriar, garantindo a continuação e o crescimento da espécie humana.


   Não há como não ver uma recriação do ato sexual neste ritual: os rapazes pegam em raparigas pelas ancas, o centro do seu corpo, nas quais abanam os seus chocalhos, uma substituição do ato de penetração vaginal.
   Também há quem veja uma clara dinâmica de poder masculino sobre o feminino, nos homens a andarem atrás das mulheres sobre as quais exercem os seus “poderes mágicos” ou influência. Mas, a meu ver, apesar desta dinâmica, não é uma dinâmica de poder em que há uma entidade dominadora e outra submissa nos verdadeiros sentidos das palavras. É mais uma espécie de sistema de troca: o homem ao “chocalhar” a mulher afasta-a de forças malévolas que possam interferir na sua saúde e a mulher em troca oferece o fruto dessa proteção na forma do seu filho.
   Concluindo, apesar de malandros, os Caretos não querem dominar e tomar as mulheres para si, apenas querem garantir o seu bem-estar e, após fazerem isso, deixam-nas seguir as suas vidas.