domingo, 27 de maio de 2018

Terry Richardson e a filosofia da caixa preta

Sendo “A filosofia da caixa preta”, de Vilém Flusser, um ensaio que pretende  contribuir para um diálogo filosófico sobre o aparelho em função do qual vive a atualidade, tomando por pretexto o tema fotografia, não deixa de nos levar a questionar o tema do significado da imagem fotografada e da intenção de quem a capta e de quem a recebe. Vemos o que está ou vemos o que não está? Deciframos o significado superficial do que a nossa vista capta ou aprofundamos significados, vagueando pela superfície da imagem? E os impulsos no nosso íntimo de observadores limitam ou não o nosso olhar? Quando analisamos ou deciframos uma fotografia, estão sempre presentes duas intencionalidades - a do emissor e a do recetor. Estas duas intencionalidades tornam difícil a decifração do que vemos, a não ser que vejamos tudo como imagens técnicas, sem qualquer subjetividade, sendo desnecessário decifrá-las. «O caráter aparentemente não-simbólico, objetivo, das imagens técnicas faz com que seu observador as olhe como se fossem janelas e não imagens», afirma Flusser. Assim, a crítica da imagem não faz sentido, pois a mesma não será mais do que uma visão do mundo. Pensemos numa fotografia do polémico fotógrafo dos famosos – Terry Richardson.
Terry já fotografou artistas como Obama, Lady Gaga, Amber Heard, Miranda Kerr, Lindsay Lohan, Gisele Bundchen, Katy Perry, James Franco e inúmeros outros. A lente subversiva de Terry encantou todas as celebridades que fotografou e fez com que ele se tornasse um dos mais estimados fotógrafos do mundo do cinema e da moda. Causando polémica ou não, Terry consegue estar sempre no foco dos holofotes. Será que é a sua visão do mundo o que o torna tão especial ou é o simbolismo daquilo que é dado a ver? Flusser defende que a aparente objetividade das imagens técnicas é ilusória, pois na realidade são tão simbólicas quanto o são todas as imagens.Então, Terry não exalta o que é perverso e grotesto, tendo como  linha de frente  o corpo? Nem o corpo é exposto de modo provocativo e vulgar? Quando exacerba desvios, quer transmitir  “crítica” ao mundo artificial que retrata, das celebridades sem cérebro, dos homens imbecis, das modelos burras, dos escândalos fabricados? Não há dúvida de que é um fotógrafo radical, mas é radical por ser vulgar ou por criticar a vulgaridade? Decerto que as críticas ao seu trabalho não serão muito importantes para Terry, a não ser que sejam negativas e vindas das marcas multinacionais que lhe “encomendam” trabalhos. O fotógrafo serve propósitos e precisa de investir para os conseguir e investir requer recursos e os recursos tanto maiores e melhores serão quanto mais e melhor pago for o trabalho. Ora, um fotógrafo sem trabalho, não fotografa, porque fica sem recursos para investir no que usa para fotografar – o aparelho fotográfico- que tem de ser cada vez melhor para dar resposta a um cliente cada vez mais exigente. Flusser afirma que “o universo fotográfico é produto do aparelho fotográfico, que por sua vez, é produto de outros aparelhos. Tais aparelhos são multiformes: industriais, publicitários, económicos, políticos, administrativos.
Trata-se, nesse complexo de aparelhos, de uma caixa preta composta de caixas pretas. Um supercomplexo de produção humana.” Então, tudo está programado e nada é espontâneo, a criação é limitada, manipulada pelos interesses. E a liberdade tem lugar nesta sociedade programada? Liberdade artística, liberdade de expressão, de pensamento? Vilém Flusser considera que toda a filosofia trata, em última análise, do problema da liberdade e assim, a filosofia da fotografia é necessária porque é a reflexão sobre as possibilidades de se viver livremente num mundo programado. Segundo Flusser, os fotógrafos alimentam aparelhos e são por eles alimentados, mas afirmam serem livres. A tarefa da filosofia da fotografia é ajudar o fotógrafo a gerir a sua liberdade. A força da produção fotográfica de Terry Richardson está na exacerbação do excesso e a banalização de valores decadentes ou altamente questionáveis, por isso ele está, na fotografia, a traduzir o contemporâneo, mas mostra, muitas vezes, o mais primitivo que o ser humano encerra. Terry tem predileção por abordar temas inusitados como a sexualidade e o bizarro, propondo uma nova forma de ver a beleza. Ou não? Ou o “ aparelho” manda no seu trabalho e assim o dita? Richardson carrega nas cores, intensas e agressivas, explora poses que evidenciem órgãos sexuais, usa de todo um referencial, recorre a ícones das histórias de banda desenhada ou de filmes, ou do universo das topmodels. Como qualquer bom fotógrafo, procura estabelecer situações jamais existentes antes dele.
Esta é uma luta constante entre homem- máquina -sociedade…e não é esta a luta de todos?