domingo, 27 de maio de 2018

Obrigação na procura de uma paixão

  Desde a altura em que uma criança obtém uma vaga capacidade de percepção do mundo ao seu redor e uma lista de atividades de lazer, é-lhes imediatamente levantada a questão sobre a profissão que gostariam de ocupar no futuro. As profissões que recebem mais apoio moral dos progenitores são aquelas com maior hipótese de proporcionar a criança em questão um maior estatuto social e econômico 
 O desejo dos pais para um filho socialmente respeitado e financialmente estável não é motivo de estranheza. Contudo, o que se sucede quando a criança não tem uma profissão em mente nem nenhuma atividade que queira exercer mais do que as outras? 

 Desde novos, sentimos a subconsciente obrigação na busca de ter uma paixão, um gosto acima de apenas num hobby, numa área restrita e especifica que se encaixe confortavelmente num possível futuro financeiro. A paixão é procurada pelo desejo de obtenção de aprovação dos progenitores e lentamente se desloca para o desejo de ter valor de utilidade num emprego socialmente respeitado numa sociedade capitalista. A falta de uma paixão em particular leva as pessoas a concluir que estas não irão ter um lugar de valor numa sociedade em que, apesar de todos os serviços darem assistência ao bom funcionamento desta (independentemente da sua significância social), nem todos respeitam as pessoas que providenciam tais serviços. 

 Quando a criança demonstra mais interesse numa atividade em particular, esta é educada em volta da possibilidade de obter um emprego a praticar a atividade em questão. Esta é encorajada com pretensões de quanto dinheiro irá obter se aplicarem todo o seu esforço a praticá e a melhoria de algo que iniciaram como um hobby que apenas lhes proporcionava prazer. Nem todas as crianças que gostam mais de desenhar irão ser artistas e nem todas as crianças que cantam irão ser músicos. São atividades comuns da infância que são levadas ao extremo pela possiblidade da monetização futura dessa paixão. Neste contexto, paixão é apenas a atividade que eles foram educados e encorajados a adorar pela crença que é apenas isto que lhes faz ter valor e serem especiais num contexto social e familiar. 

 Encontro este caso muito na minha irmã de apenas 8 anos quando, deparando-se com os elogios que a minha prima da mesma idade recebe pela sua cantoria, ela levanta a questão de ''sou boa a que?'', levando a pensar que ela só tem valor entre os seus colegas e amigos se tiver um talento especifico que pratique tanto fora como dentro de casa e que lhe possa proporcionar um futuro estereotipicamente aceitável. A minha irmã, eu acredito, não tem interesse em descobrir a sua paixão apenas pelo prazer de exercê-la. Se esse fosse o caso, a pergunta não iria ser colocada e ela apenas instintivamente iria realizar as atividades que gosta. Neste caso, reparo que ela procura a paixão para se agarrar a ela e obter valor social, mesmo que para ela isso sejam atualmente apenas colocados em formatos de elogios de professores e familiares.