Pouco depois de uma
criança nascer ferramentas são criadas por ela para a ajudar a
inteirar-se do mundo. Começa a comunicar e a aprender conceitos da
sociedade em que está inserida. Desta forma, todo o seu contacto com
a realidade é cortado, sendo substituída por um manto cultural
criado pelas gerações anteriores. Nesta sociedade ela não vai
poder criar algo completamente novo por estar tão entrelaçada com o
manto cultural.
Estará este tal
manto a reprimir o potencial de criação humano? Para entreter esta
curiosidade, esta fantasia de saber se, fora das condições
culturais em que cresceu, seria possível um humano criar algo puro,
serão utilizados cenários um tanto exagerados, mas que ajudam neste
raciocínio deambulatório.
“A necessidade
aguça o engenho” - neste mundo, tal como no nosso, ferramentas vão
sendo criadas para ajudar a humanidade em todo o tipo de situações.
À medida que são criadas, são também incorporadas no manto
cultural. Esta criação de ferramentas leva a humanidade a um ponto
em que todas as necessidades foram satisfeitas e, sem necessidade, o
engenho torna-se rombo.
Humanidade e cultura
são agora uma só entidade, e todas as formas de criação
desapareceram. Humanos vivem satisfeitos numa vida completamente
banal em que nada é necessário e o único propósito de vida é
emaranhar-se em prazeres proporcionados pelo agora manto
hiper-cultural. Em suma, estamos perante o desenvolvimento de uma
utopia hedonista.
Utopia, mas não
para todos, pois o ser criativo que reside no meio de tanta
banalidade aprazível está a desesperar. Ele quer criar, mas o quê?
Já não existe nada para criar, tudo estagnou. No que se torna no
ato criativo final desta humanidade, o ser deixa a sua prole no mundo
real fora do manto.
Conseguiria esta
geração livre da prisão cultural criar algo puro? Desprovido de
restrições criativas criadas pelo manto poderia criar algo
completamente novo? Estaremos a presenciar a génese da invenção
desprovida de cultura?
A prole inventa
novas ferramentas para satisfazer as suas necessidades, representa a
realidade que a rodeia na sua criação, e uma neblina começa a
formar-se ao seu redor. Estes seres livres procriam e mostram as
suas criações aos seus filhos, cada nova invenção aumentando a
neblina. Após múltiplas gerações a neblina tornou-se num novo
manto hiper-cultural e reencontramos a utopia a que o criativo tentou
escapar. Conclui-se que a própria fantasia de criação desprovida
de cultura é uma forma de utopia dos criativos.
A Humanidade está
presa num ciclo vicioso: o simples ato de criar cria cultura, a única
forma de escapar seria destruir a invenção no momento de criação,
mas isso também se tornaria num ciclo vicioso em que as mesmas
criações eram repetidas eternamente, qualquer progresso
desaparecendo.
Felizmente para a
nossa Humanidade, utopias são impossíveis e a necessidade não irá
desaparecer. Existirá sempre criação humana, mas uma criação
impura, contaminada pelo manto cultural, cheio de cópias mastigadas
e alteradas para parecerem algo novo.