Paul Klee, a propósito da relação pintor-mundo diz-nos :”Numa floresta, senti várias vezes que não era eu que olhava a floresta. Senti, em certos dias, que eram as árvores que me olhavam, que me falavam… Eu estava lá, à escuta…Creio que o pintor deve ser trespassado pelo universo, e não querer trespassá-lo…”
Quem e que olha? O olho do Homem moderno esta em constante estímulo A constante necessidade de olhar, estar a par, mas sempre neste único movimento que parte de mim para aquilo que eu estou a ver, sem deixar que o movimento faça o caminho inverso , sem me deixar ser visto. A perspectiva é unilateral. (também daí a dificuldade de descentralização do individuo de hoje- vÊ tudo do seu ponto de vista .A percepção que Klee faz do mundo vai ao encontro de um retorno utópico –de que já Rousseau falava - a autenticidade perdida. O voltar a um estado de natureza onde o homem vive em sintonia com o mundo e isso lhe devolve uma paz que hoje não encontramos. Numa época em que a alienação e fragmentação do individuo governam, a pergunta fica em aberto: é a afirmação constante do individuo que não o deixa ser olhado de verdade ou o vazio real de identidade é que não tem núcleo visível? Este vazio de que temos consciência é consequência de uma pobreza interior. É Preciso espiritualidade.. Não religião, pois a nossa era já e secularizada. Mas espiritualidade de cada um. A arte é também um exercício espiritual, e Klee sabia-o bem. Foucault propõe que o indivíduo veja a sua vida como uma obra de arte:” O que me surpreende, na nossa sociedade, é que a arte se relacione apenas com objetos e não com indivíduos ou a vida; e que também seja restrita a um domínio especializado, um domínio de peritos, que são os artistas. Mas a vida de todos os indivíduos não poderia ser uma obra de arte? Por que é que uma mesa ou uma casa são objetos de arte, mas as nossas vidas não?” (FOUCAULT, 1994, p617)A relação então que Klee tem com as árvores, enquanto artista, também nós podemos ter com a vida, segundo Foucault. Deixarmo-nos trespassar por ela. E assim, sermos vistos e portanto criados nesse momento de consciência. Como barro que se deixa moldar. Foucault diz-nos que o perigo do homem moderno é que este já não parte à descoberta de si mesmo, da sua verdade, mas procura antes inventar-se a si próprio. Nós precisamos de manifestar a nossa essência, não de inventá-la- como cada um tenta fazer, inventar a toda a hora aquilo que se é de maneira a ser aquilo que é idealizado e convencionado pela cultura mainstream, acreditando que a música que ouvimos e roupa que usamos nos definem. Mas a manifestação do que se é realmente começa nessa mudança de perspectiva. Percebermos que há vários ângulos, vários pontos de vista, e que há um que nos é oposto. Há algo ou alguém que nos vÊ para lá desse invólucro cultural.