À parte da incontestável falta de ética que
será ter tomado (e ainda tomar) discursos orientalistas, é de se notar o
impacto que esses mesmos discursos terão tido no Oriente. Estando eu consciente
do óbvio discurso eurocêntrico em que incorro, arrisco questionar-me em como
não terá de certo modo sido criado um complexo de inferioridade na perspetiva
oriental perante o Ocidente, a par do complexo de superioridade ocidental.
A verdade, é que a cidade de Dubai parece um
mecanismo dos Emirados Árabes Unidos em se legitimarem como uma sociedade
avançada, vista como sinónimo de ocidental (e é particularmente interessante em
como o progresso e a evolução científica e técnica sejam vistos como sinónimos
da cultura ocidental). Esta aparente necessidade de se mostrarem válidos leva a
que façam competir a sua supremacia numa linguagem acessível a ambas as partes.
Estando o Oriente em desvantagem por ser a parte que se sente incomodada e
estereotipada, é este que procura chegar a uma linguagem perceptível ao
Ocidente, a linguagem da construção massiva e do sistema capitalista. “Nós
também somos bons nisto, nós também sabemos erguer prédios.” Mas, para tal,
tiveram que efetivamente fazê-los, e deste modo ocidentalizar-se para provar
que também sabem ser ocidentais. É claro que esta é uma questão que envolve inúmeros
pontos a considerar, e não é possível reduzir o fenómeno de ocidentalização e
capitalização do Médio Oriente a uma simples questão de influências estéticas e
culturais, mas houve de certo um reconhecimento e valorização do estilo de vida
e cultura ocidentais.
Uma Cultura “Ociriental”
Esta não é uma cidade feita para o
cidadão-comum dos Emirados Árabes Unidos, o que levanta uma série de outras
questões. Esta, é uma cidade para as elites, tanto locais/nacionais, como
estrangeiras, sob a forma de investidores e turistas ricos, dois dos grandes
motores económicos do Dubai, à parte do comércio, do setor imobiliário e dos
serviços financeiros, o que constitui essencialmente a receita do emirado.
Culturalmente, o Dubai pouco tem de próprio.
Os moldes de toda a sua civilização, arquitetura e sistema económico seguem o
modelo ocidental e exageram-no, extrapolam-no, atingindo o hiper-capitalismo,
enquanto simultaneamente preservam politicamente a tendência contemporânea do
Médio Oriente de se extremarem como um estado conservador. Da população que constitui a demografia da
cidade, é relativamente escassa aquela que se pode afirmar como indígena, o que
ajuda a perceber à primeira vista a falta de cultura própria do Dubai. É deste
modo uma cidade de plástico e ferro, construída em menos de 50 anos e com
objetivos bastante explícitos, “marketizando-se”
como diversão ao sol; um género de Las Vegas no Golfo Pérsico. Este Dubai é desta
maneira vendido como uma mesclagem cultural, onde encontramos traços vagos da
cultura oriental (que pouco existiu/existe lá), vendidos num formato perceptível
aos olhos ocidentais – um tipo de discurso que faz toda a ideologia funcionar.
Deste modo, ainda que os investidores
sejam atraídos evidentemente pela oportunidade de negócio, o turista ocidental
é sobretudo atraído pela cultura estéril e decadente dos casinos e hotéis
luxuosos, erguidos para suprimir essa demanda do gosto burguês pela futilidade
do estilo de vida contemporâneo capitalista. Quase que um oriente traduzido, e
profundamente deturpado no seu significado, num discurso familiar ao alvo
ocidental (o que evidencia uma espécie de retorno cultural, em que a cultura
ocidental assimilada pelo Oriente é vendida a esse mesmo Ocidente). Daqui, surgem histórias tão fantásticas
como talvez terão sido na altura aquelas trazidas pelos relatos de Marco Polo
nas suas viagens - histórias de uma cultura quase cómicas pelo hiperbolismo da
repreensão judicial, relatado em diversos casos de turistas que visitam a
cidade e encontram problemas com a justiça, numa incompatibilidade mais que
cultural entre esta cidade que se procura afirmar como a mais progressista no
Médio Oriente e que se tenta abrir e envolver com o mundo, enquanto sustenta
uma coexistência paradoxal entre querer ser esse recreio para turistas e ser
efetivamente um estado Islâmico profundamente conservador.
A opulência e ostentação desta cidade é
insuficiente para me cegar. O paradoxo entre a repressão e o turismo, o modelo
político de teocracia, a despersonalização do espaço, o consumo desenfreado, a
cultura do shopping, os direitos humanos dos trabalhadores (expatriados convidados
do sub-continente indiano, quase escravos, que erguem as torres dessa mesma cidade),
a estirilidade cultural e a censura fazem-me olhar para o Dubai como esta
ligação e aproximação entre os dois grandes blocos culturais que dividem o
mundo – Oriente e Ocidente – sob a forma de um espaço urbano que reúne em si
simultaneamente o pior de ambas as culturas.