O Homem nasce, vive e morre. O grande problema é termos consciência disso! Como escapar à inevitabilidade da morte? Como lidar com a nossa própria morte e, especialmente, com a daqueles que nos são queridos; aqueles que não queremos que nos abandonem? A sensação de posse que todos sentimos, seja por objectos, por pessoas, por sentimentos ou pela própria vida é completamente inútil face a certeza de que chegará o momento em que perderemos tudo. Então, como podemos resolver este problema, aparentemente sem solução? Quando é que tomámos consciência de nós próprios e começámos a pensar desta forma?
As primeiras provas que temos da consciência do Homem aparecem logo na pré-história: com que propósito coleccionaria o homem da pré-história tantos objectos? Com que propósito os ornamentaria? E a arte, porque é que surge? Porquê os rituais fúnebres? São questões tão intrínsecas ao ser humano que ainda se aplicam nos dias de hoje e no fundo todas elas são consequência da mesma génese: a consciência. A consciência faz-nos questionar. As questões precisam de respostas e a procura destas leva-nos a fazer ciência. Consequentemente, se não encontramos respostas nem soluções, então procuramos explicá-las através do inexplicável – a religião.
Tal como a linguagem, a religião embora tenha o mesmo significante, tem um significado diferente em cada cultura. O que me assombra é o quão poderoso é um significado em relação a outro. Temos provas da religião politeísta dos gregos por volta do séc. VIII a.C., no mais antigo e extenso documento literário ocidental existente (isto sem contar com as várias referências em tabuínhas utilizadas no comércio, por estes povos). Os gregos estendem a sua religião ao que viriam a ser os romanos. Entretanto, noutra parte do mundo, o povo hebraico estende a sua religião até aos romanos, enquanto os romanos estendem o seu território por toda a Europa e parte de África e do Médio Oriente. A religião cristã aparece como uma espécie de “contra cultura” à religião hebraica. Basta um Imperador Romano “aderir” à nova moda para esta se estender por todo o território do Império, tal é o poder do Homem sobre os seus semelhantes. O que começa como uma lenta assimilação da nova forma de pensar, misturando cultos pagãos com a nova religião monoteísta, transforma-se num decreto em que todo o território alcançado é agora oficialmente cristão. O Império Romano cai, mas não o modo pensante do povo; pelo contrário, a consciência colectiva torna-se ainda mais forte. Entretanto a hegemonia é tal que aparece novamente uma resistência à mesma, surge o Islão, inspirado no cristianismo, que por sua vez foi beber directamente do judaísmo (assim como todas as sub-culturas do cristianismo). Avançamos um pouco mais no tempo e o Homem começa a (poder) questionar a religião sem grandes consequências, chegamos ao Iluminismo. Parece que chegámos finalmente ao ponto em que podemos indagar e pôr em causa todas as escolhas da consciência humana até agora, pelo menos no mundo ocidental. Parece que podemos finalmente libertar-nos de todas as amarras e dizer que somos livres. Mas seremos assim tão livres? Não será esta apenas uma ilusão? Andamos há milhares de anos a matar-nos uns aos outros por medo de morrer. Aquilo que fizémos no passado, em que praticávamos guerras com base em diferentes opiniões ainda se mantém. Não falo apenas da questão óbvia das guerras actuais (em que mais uma vez surge uma “contra cultura” ao islamismo), mas também das pequenas guerras travadas no dia-a-dia de cada um, no suposto “mundo civilizado” – nos pequenos conflitos de “o meu gosto é melhor do que o teu” (“o meu deus é melhor do que o teu”).
Então pergunto, será a natureza do Homem uma luta constante contra a nossa própria consciência? A vida seria tão mais simples e pacata se fôssemos seres não-pensantes; mas seria sem dúvida muito menos interessante.