Alice no País das Maravilhas é a obra infantil mais conhecida de Charles Dodgson, publicada sob o pseudónimo de Lewis Carroll. Conta-nos a história de uma menina, Alice, que vai atrás de um coelho, que passa por ela muito apressado, e entra numa série de portas que a transportam até um, ou melhor, vários e diferentes mundos paralelos.
O filme da Disney de 1951, com uma ilustração muito própria, foi baseado nesta obra intemporal e causou-me uma mixórdia de impressões absurdas que trouxeram uma onda de nonsense para banhar as praias da minha mente. Durante a visualização surgiram pensamentos constantes de incompreensão e curiosidade devido à linha condutora da história mas sobretudo aos diálogos caricatos entre Alice e as personagens fantásticas que encontrava enquanto tentava achar o caminho que a levasse de volta a casa.
Na verdade, o diálogo inicial do filme dá contexto a toda a história, e, vendo o filme sem ter em conta essa primeira cena, este poderia ser entendido como uma pura descarga de imagens surrealistas e coloridas. Apesar de ninguém ver um filme sem ver o início do filme, foi exatamente isto que me aconteceu porque os meus amigos estavam a falar por cima e só consegui perceber as imagens iniciais, sem as falas que dão seguimento a toda a linha condutora da narrativa. Apenas agora, ao rever o início, me apercebi do que se trata no fundo.
Na cena inicial vemos Alice e a sua instrutora que lhe lê uma passagem de uma lição de História. Alice aparenta estar aborrecida e sem vontade de prestar atenção. “Mas como é que se pode prestar atenção a um livro que não tem gravuras?” inquiriu pensativa, acrescentando de seguida “Neste mundo pode ser, mas no meu mundo os livros só teriam gravuras.” ao que a educadora lhe responde que devia estar a sonhar.
Vemos então Alice num momento de “eureka!” dizendo à sua gata, que por ali estava deitada, que se este mundo fosse seu, tudo nele seria diferente: “nada era o que é, porque tudo era o que não é. E por outro lado, tudo o que é, não seria, e tudo o que seria, não é.”
Continua então, falando para a sua gata, a dizer que no seu mundo idealizado, os animais falariam e agiriam como pessoas, que lá ela poderia falar com as flores, e todo o tipo de cenários imaginados por uma criança. Aí percebi que todo o filme é uma representação da imaginação de Alice, que começa com o aparecimento do coelho apressado que a menina decide seguir acabando por entrar em infinitos cenários e situações impossíveis e incríveis, que só a cabeça de uma criança (ou de um adulto com a imaginação muito fértil) conseguiria criar.
Porque estes pensamentos imaginativos derivaram de um aborrecimento ao ouvir a lição de História, há então uma clara crítica à maneira como a educação é dada academicamente, mostrando que o aluno apresenta dificuldades em se sentir cativado.
Em relação aos cenários que se seguem na história, uma palavra pode ser utilizada para os definir: curiosos. Chávenas de chá que se entornam vezes sem conta, animais fundidos em objetos e vice versa, movimentos que desafiam as leis da física, poções e cogumelos mágicos que fazem encolher e aumentar de tamanho, tudo isso contribui para a narrativa que Alice tece na sua mente e acabamos, no fim, por perceber que não podia ser mais claro que se trata de um sonho.
Não “apenas” um sonho, mas uma viagem que ensina muito a quem lhe prestar atenção. Uma frase dita pelo gato risonho ficou cravada na minha mente. Quando Alice lhe pergunta por que caminho deve ir, este responde-lhe “Ora isso depende do lugar para onde vais tu”. Ela diz-lhe “Oh, realmente não importa desde que eu…” e não acaba a sua frase para ser interrompida pelo gato que lhe diz “Então não importa para onde tu vais”.