‘’O Preto mete medo, é um canibal; e se se acha que Bichon é
um herói é porque ele se arrisca a ser comido. Sem a presença implícita deste
risco, a historia perderia toda a sua virtude de choque, o leitor não sentiria
medo;
(…)
No fundo, o Preto não tem uma vida plena e autónoma: é um
objeto bizarro; ele é reduzido a uma função parasita, a de distrair os homens
brancos através do seu barroco vagamente ameaçador: a África é um guignol um tanto perigoso.’’
- Roland Barthes (1957/1988) << Bichon Entre os Pretos
>> In Mitologias. Lisboa: Ed.70
Um casal foi explorar
as Caraíbas, para ali poder ir pintar. Com eles vem Bichon, um bebé de poucos
meses, cuja vida é ameaçada devido a vários fatores, mas especialmente uma civilização
de ‘’Pretos’’ Canibais. É esta a história relatada pela revista Match.
Na história existe claramente a dicotomia branco/preto,
numa obvia relação do branco como algo ‘’bom’’ e o preto como algo ‘’mau’ reforçada
em contrastes semelhantes como Claro/escuro, Limpo/Sujo, Inocente/Malicioso, Divino/Infernal,
etc.
A revista Match dirige-se obviamente para um público caucasiano.
Tal público que se emociona ao ver uma criança loira a enfrentar tais perigos.
Neste sentido, o principal perigo acaba por ser os ‘’Pretos-Vermelhos’’. No
entanto, Bichon acaba por superar também esse perigo, pois consegue adaptar-se.
Bichon é glorificado por ter conseguido ‘’dominar’’ a civilização dos canibais,
sendo relatado agora como o ídolo dos mesmos.
Mesmo que esta criança seja a minoria em relação aos canibais, este já é visto pelo público como superior, mostrando assim a visão do público perante a raça dos indivíduos em questão. População de pele clara é obviamente superior (segundo a visão relatada), inferiorizando todos os indivíduos de pele negra, geralizando. Passamos de aceitar os canibais como um perigo, para aceitar toda a África como perigosa, ou seja, todos os africanos ( de pele escura).
No meu ponto de vista, todo este relato é extremamente preconceituoso,
ao ponto de intitular os ‘’Pretos’’ de bizarros, parasitas e perigosos. Acho
que enquanto revista Francesa, Match retratou
muito bem o que alguns europeus pensam das pessoas com pele mais escura, é algo
que está presente na cultura, e que nos últimos anos veio a ser combatido.
Hoje em dia vivemos numa sociedade que aceita muito mais todos os tipos de raça humana, combatendo o preconceito dia após dia. Se Match
publicasse nos dias de hoje uma história semelhante a esta, provavelmente
não iria ser aceite da mesma maneira que foi no século XX pela maioria dos leitores.