quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

BICHOn



‘’O Preto mete medo, é um canibal; e se se acha que Bichon é um herói é porque ele se arrisca a ser comido. Sem a presença implícita deste risco, a historia perderia toda a sua virtude de choque, o leitor não sentiria medo;
(…)
No fundo, o Preto não tem uma vida plena e autónoma: é um objeto bizarro; ele é reduzido a uma função parasita, a de distrair os homens brancos através do seu barroco vagamente ameaçador: a África é um guignol um tanto perigoso.’’

- Roland Barthes (1957/1988) << Bichon Entre os Pretos >> In Mitologias. Lisboa: Ed.70


            Um casal foi explorar as Caraíbas, para ali poder ir pintar. Com eles vem Bichon, um bebé de poucos meses, cuja vida é ameaçada devido a vários fatores, mas especialmente uma civilização de ‘’Pretos’’ Canibais. É esta a história relatada pela revista Match.
            Na história existe claramente a dicotomia branco/preto, numa obvia relação do branco como algo ‘’bom’’ e o preto como algo ‘’mau’ reforçada em contrastes semelhantes como Claro/escuro, Limpo/Sujo, Inocente/Malicioso, Divino/Infernal, etc.
            A revista Match dirige-se obviamente para um público caucasiano. Tal público que se emociona ao ver uma criança loira a enfrentar tais perigos. Neste sentido, o principal perigo acaba por ser os ‘’Pretos-Vermelhos’’. No entanto, Bichon acaba por superar também esse perigo, pois consegue adaptar-se. Bichon é glorificado por ter conseguido ‘’dominar’’ a civilização dos canibais, sendo relatado agora como o ídolo dos mesmos.
           Mesmo que esta criança seja a minoria em relação aos canibais, este já é visto pelo público como superior, mostrando assim a visão do público perante a raça dos indivíduos em questão. População de pele clara é obviamente superior (segundo a visão relatada), inferiorizando todos os indivíduos de pele negra, geralizando. Passamos de aceitar os canibais como um perigo, para aceitar toda a África como perigosa, ou seja, todos os africanos ( de pele escura). 
           No meu ponto de vista, todo este relato é extremamente preconceituoso, ao ponto de intitular os ‘’Pretos’’ de bizarros, parasitas e perigosos. Acho que enquanto revista Francesa, Match retratou muito bem o que alguns europeus pensam das pessoas com pele mais escura, é algo que está presente na cultura, e que nos últimos anos veio a ser combatido.

          Hoje em dia vivemos numa sociedade que aceita muito mais todos os tipos de raça humana,  combatendo o preconceito dia após dia. Se Match publicasse nos dias de hoje uma história semelhante a esta, provavelmente não iria ser aceite da mesma maneira que foi no século XX pela maioria dos leitores.