Ao longo da história o corpo feminino, enquanto
possuidor de um “valor de uso”, foi sujeito a pressão e imposição social. Conforme
a época histórica e a organização sociocultural a esta associada, os padrões de
beleza associados ao feminino foram variando, proporcionando-nos a arte a
possibilidade de aceder a essas sucessivas representações histórico-culturais
do corpo da mulher. As mais ancestrais formas de arte relacionavam o corpo feminino
com a fertilidade/capacidade de gerar vida, passando-se ao longo dos séculos a
integrar outras caraterísticas e preocupações, nomeadamente a mutável noção de
belo.
Em sociedades tradicionais e patriarcais, em que a
mulher era reprimida e despojada da maior parte dos direitos de cidadania, o
corpo feminino foi sendo apropriado como coisa, detentor de “valor de troca”,
expresso em termos de riqueza (os dotes que as noivas traziam aquando do
casamento, por exemplo) e como meio de procriação (gerador de filhos).
Nas sociedades contemporâneas ocidentais, após muita reivindicação
e luta, as mulheres têm atualmente, a nível legal, os mesmos direitos e deveres
que os homens e, aparentemente, a mulher passou de objeto a sujeito, com livre
arbítrio sobre a sua vida e o seu corpo.
E, no entanto, atualmente, mantêm-se as pressões sobre
o corpo feminino, que partem agora da sociedade de massas e dos media. Nas imagens que constantemente
nos rodeiam, na publicidade, o corpo feminino surge cumprindo standars de beleza, perfeição,
elegância, magreza, inalcançáveis pelas mulheres em geral. Esse corpo, porque é
objetivado, continua a ser olhado como mercadoria. Muito raramente é
representado como algo normal, que é visto por todos, todos os dias. Acrescente-se
que de forma inédita, mas a uma escala muito menor, o próprio corpo masculino
passa também a ser objetivado e sujeito a imposições estéticas.
Paradoxalmente se o corpo-objeto-mercadoria das
imagens e dos media é encarado como algo positivo, desejável e desejado pela
população em geral, quando é visto na vida quotidiana passa a objeto de
crítica, de escrutinização, de análise e de inspeção. Este paradoxo perpetua
“regras” sobre o comportamento e o aspeto da mulher em todos os aspetos da sua
vida: sobre e sub-sexualização das mulheres, manutenção e reforço de
preconceitos de género e adjetivação prejurativa, direccionada à sexualidade
feminina.
Aplicando aqui, com as devidas distâncias, o
orientalismo de Edward Said, percebemos que, no século XXI continuam a
fabricar-se standards e ideais de
beleza que correspondem a ficções se comparadas à vida real e quotidiana.