sábado, 23 de dezembro de 2017

O sapo e a água quente


Culturas são sistemas de símbolos, significados e práticas, que tanto representam uma realidade como moldam sujeitos de forma a que estes se encaixem no mundo tal como este é representado. Existe assim uma determinada expectativa assente no sujeito, que o obriga a conformar-se à consciência coletiva que o rodeia e aos símbolos que esta impõe sobre ele. Estes símbolos e representações são gerados pelo coletivo humano, mas esse próprio coletivo acaba por ser subjugado pelas representações que criou. Encontramo-nos perante uma relação bidirecional, um ciclo em que o homem se encontra subjugado pela sua cultura e em que esta só adquire um valor concreto com a actuação do próprio Homem. 

Joseph P. Overton é o responsável pela criação do conceito da Janela de Overton. Este conceito sociopolítico baseia-se num espectro de opinião pública, em que determinadas ideias podem variar entre dois extremos, o conservador e o liberal. Nos dois extremos desse espectro encontram-se conceitos radicalmente inaceitáveis e no centro, ideias que estão normalizadas e que são socialmente aceites. Segundo este autor, um político que deseje ser facilmente aceite pelo público deve mover as suas ideias dentro da faixa central, a Janela de Overton. Mas esta janela pode alargar-se ou mover-se ao longo do espectro através de influências externas, e aquilo que à partida é considerado incomum ou inaceitável pode rapidamente tornar-se normal. Overton sugere que a forma mais eficaz de alterar a opinião pública sobre um determinado assunto, é sugerir o que é à partida mais inaceitável e radical. Consequentemente, as ideias que se situam entre o absurdo e o vulgar são normalizadas pelo público, e conceitos que à partida seriam socialmente aceites, tornam-se assim comuns e mais facilmente aceites pela sociedade. 

Deste conceito, partimos para a rábula do sapo e da água ferver. Contam-nos que se um sapo for fervido num pote de água que inicialmente esteja à temperatura ambiente, este é incapaz de sentir a mudança de temperatura, acabando por morrer. Já um sapo que salte para um pote de água que já esteja a ferver, acaba automaticamente por sair, porque a sensação subjetiva do calor é muito mais acentuada. 

Também nós, enquanto sociedade civil, quando desatentos e deixados susceptiveis às manipulações encobertas dos meios modernos, estamos sujeitos ao mesmo destino metafórico. 
Cabe-nos a responsabilidade de ganhar consciência e visão crítica da cultura que nos moldou e das transformações que também lhe impomos.