quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

"E se fosse consigo?"

Karl Marx fala-nos da ideologia como sendo “o meio pelo qual as ideias da classe dominante passavam a ser aceites na sociedade como naturais e normais”. Mais tarde, Antonio Gramsci, inspirado no pensamento marxista, introduz o conceito de hegemonia: entendido no campo da ideologia, “implica a constante conquista e reconquista do consentimento da maioria em relação ao sistema que a subordina”. Agarremos no programa “E se fosse consigo” da SIC, da autoria da jornalista Conceição Lino”, e tratemo-lo sob o olhar destes dois conceitos.
O programa “E se fosse consigo”, segundo a SIC, “pretende focar-se em temas como a tolerância, o respeito, o preconceito e a liberdade” e "testar a capacidade de intervenção dos portugueses na defesa do outro”. Vamos então esclarecer o formato do programa: é apresentado ao telespectador uma situação fictícia entre o(s) “intolerante(s) e a(s) ”vítima(s)”  em que é esperado que alguém que esteja a passar intervenha e defenda a “vítima”; sendo que tudo isto é  encenado em praça pública e que a pessoa que intervém não tem a consciência que toda a cena não passa de uma encenação. Nestas encenações são tratados temas como a tolerância, o respeito, o preconceito e a liberdade utilizando variadas situações mais concretas como o bullying, a obesidade, o racismo, a violência no namoro, a homossexualidade e a adoção por casais homossexuais, a transexualidade, entre outros. Mas será que é este o objetivo primeiro deste programa do horário nobre?
Concentremo-nos nestes últimos dois temas: a adoção por casais homossexuais e a transexualidade. Fique desde já esclarecido que a questão em análise não é o programa a nível formal que, na maioria das vezes, nos consciencializa e educa, mas sim alguns temas que surgem quase que com uma máscara de naturalidade. Temas como a adoção por casais do mesmo sexo e a transexualidade, são assuntos tabu na nossa sociedade, temas que, de certa forma, obrigam a pessoa a seguir os seus ideais.  Perguntamos: “Qual é, afinal, a questão? Qual a diferença entre estes temas e os restantes também abordados?” A questão está na maneira como o tema é abordado, puxando sempre por um lado mais sensível do telespectador. O tema, outrora tabu, torna-se algo totalmente natural e de “opinião óbvia”. A necessidade do sentimento de compaixão e pena para com a “vítima” que é transmitida conquista desde logo quem o vê. Aqui, o telespectador perde a sua consciência para viver através da consciência de quem domina (neste caso, o programa, devido a uma maior abrangência e impacto – é a “classe dominante”). Os telespectadores perdem a sua liberdade, ficando presos à liberdade do outro.
Desta forma, e como prevera Marx, a classe dominante, a televisão, consegue manter os espectadores numa falsa consciência. O principal objectivo é a criação de um pensamento homogéneo.


Referência:
MARX, Karl; ENGLES, Friedrich, A ideologia alemã, vol I. Lisboa: Presença, pp. 25-26
FISKE, John, Introdução ao estudo da Comunicação. Porto: Edições Asa