sábado, 23 de dezembro de 2017

LITERACIA EMOCIONAL PRECISA-SE

Nunca como agora o Homem viveu um contexto que lhe tenha trazido tão elevados níveis de conforto, de segurança e de saúde. Os meios de diagnóstico e tratamento de doenças atingiram um nível de eficácia e sofisticação que aumentaram extraordinariamente as expetativas de longevidade. Os hospitais e unidades de saúde direcionam-se cada vez mais para as chamadas doenças do futuro. Estas são as enfermidades das populações envelhecidas: os tumores, as doenças degenerativas e as demências. Isto porque apesar do exponencial crescimento demográfico mundial é um facto que, de acordo com as estatísticas globais, a população mundial está a envelhecer a um ritmo acelerado. Este envelhecimento tem maior expressão nos países economicamente desenvolvidos onde se estima que aqueles que nasceram após o ano 2000 poderão viver em média acima dos 100 anos.
Com esta gigantesca evolução tecnológica e cultural a humanidade afastou-se cada vez mais da sua substância orgânica, e atirou para trás das paredes das instituições os momentos da doença, da velhice e da morte. Também o nascimento foi condicionado e remetido aos quartos descaracterizados das maternidades onde o primeiro choro e o respirar dos recém-nascidos são entregues a profissionais anónimos. Perde-se assim mais um dos confrontos com a nossa condição animal. Apesar da endeusação da juventude também esta acaba sistematizada em rotinas que a atiram para fora do quotidiano. Momentos onde as crianças podem ou não ser bem-vindas, de acordo com as ocasiões ou os ambientes sociais.
Estamos hoje, permanentemente e de forma imediata, ligados à maior quantidade de conhecimento a que alguma vez a espécie humana teve acesso. Não obstante este gigante fluxo de informação que temos ao dispor, tanto em quantidade como em velocidade, a maior parte de nós escolhe o entretenimento e a distração preferindo viver num estado de dormência, embalados pelas escolhas dos meios de comunicação, e embriagados pelas necessidades que nos são sugeridas pelos especialistas em marketing e publicidade. Vivendo ainda assim na crença de que somos providos de livre arbítrio.
As espécies evoluem promovendo atributos que as favorecem, e perdendo aqueles que lhes são dispensáveis. E assim, tal como um dia alguns primatas acabaram por renunciar a cauda, também o Homem começa a perder a habilidade de sentir. Está a perder a ligação à sua condição física. O ser cultural distancia-se cada vez mais do ser biológico. Tudo ao seu redor se vai artificializando. O alimento industrializa-se e passa a produto alimentar, processado, rico não em vitaminas e sais minerais mas em intensificadores de sabor e conservantes. O vestuário passa a guarda-roupa e a objeto de moda substituível a cada estação. Tudo é produto fabricado. As pulsões primordiais e elementares dão lugar a uma desordem de emoções num mundo asséptico e estéril, pobre em sentimentos e afetos. Fica um sentimento de perda pronto a ser substituído por quaisquer outras formas de sentir.
Num tempo em que as necessidades básicas de sobrevivência estão na sua maior parte saciadas, o consumo exagerado e inconsciente assenta paradoxalmente na procura de compensações individuais, egocêntricas, fruto da carência de valores e amplificadas pelos interesses das grandes marcas e companhias. Necessidades de compensação de um vazio interior deixado pelo facto de já não precisarmos verdadeiramente de nada.
Assim adquire-se tudo aquilo que a pressão da sociedade nos leva a acreditar que precisamos. Tudo aquilo que consideramos necessário para alcançar a aceitação do grupo. Cultivam-se códigos exteriores, ao invés de se melhorarem os aspetos interiores. Quando as pessoas se habituam a determinados luxos tomam-nos como certos e essenciais e já não conseguem viver sem eles. Esses passam a necessidades e consequentemente a novas obrigações. E grande parte desses produtos servem apenas a procura de uma superioridade social perante indivíduos que muitas vezes se abominam. São resposta a pulsões primitivas de competitividade e de fúria. Pouco ou nada construtivas.
No final acabamos por ter que trabalhar para ganhar dinheiro para obter as condições necessárias para que possamos trabalhar. Trabalhamos para termos uma casa perto do emprego. Trabalhamos para poder ter um carro para ir trabalhar. Trabalhamos para comprarmos roupas para ir trabalhar. Trabalhamos para adquirir objetos que impressionem e mostrem como somos bem-sucedidos a trabalhar. É esta a experiência da condição humana.
Tempo é dinheiro. Cada vez que compramos algo com dinheiro estamos a pagar com o tempo de vida que gastámos para o ganhar. Sendo que o tempo de vida é a única coisa de que dispomos verdadeiramente em quantidade limitada. Seria talvez preferível consumir esse tempo a identificar objetivos que transcendessem as necessidades homeostáticas imediatas, inspirando e elevando as nossas mentes. Pensando no nosso ser futuro, individual e de grupo. Talvez devêssemos conduzir todo este potencial tecnológico e humano que temos ao dispor nos nossos dias para construir uma sociedade verdadeiramente justa, ética e emocionalmente competente.