Roland Barthes aborda no seu texto Bichon Entre Os Pretos o mito pequeno-burguês do pequeno Bichon lourinho que trouxe à terra de canibais pretos a pureza da civilização branca. Espremendo o sumo ao mito, constatamos que a história mais não é do que um retrato da hipocrisia de uma elite que se julga superior e que, possuindo o dom da civilização, sente a necessidade de levar a sua pureza aos selvagens.
Esta hipocrisia mantém-se jovem e acompanha ainda hoje um conjunto de celebridades que, a título pessoal, adotaram crianças africanas para resgatá-las da primitiva pobreza em que se encontravam. Injusto seria condenar este ato se o que estivesse na origem do mesmo não passasse da procura de ajudar crianças desfavorecidas, proporcionando-lhes uma vida de prosperidade e abundância. No entanto, a situação torna-se um pouco diferente quando esta elite de Bichons, em vez de simplesmente adotar crianças necessitadas, opta por adotar pretinhos. Existe uma diferença clara; na primeira situação: as crianças são adotadas tendo em conta as condições precárias em que vivem e a necessidade que estas têm de pertencer a uma família capaz que lhes pode assegurar uma vida digna. Na segunda: as crianças desfavorecidas servem de alimento ao ego burguês que embarca na missão de resgatar pretinhos à terra dos selvagens, onde só ele lhes pode levar a prosperidade e a bondade da civilização do Napalm.
Parece que Kant permanece pertinente ao direcionar o valor ético das nossas ações para a qualidade da vontade e para o móbil da ação e não na ação em concreto. O mito do Bichon é uma espécie de neocolonialismo pacífico e generoso capaz de resgatar os habitantes da bárbara selva proporcionando-lhes o espírito apolíneo de Parsifal.