sábado, 23 de dezembro de 2017

Reflexões sobre o Exótico: um novo Oriente a Oriente do Oriente

Algures no Médio Oriente, dentro do deserto da Arábia e banhado pelo Golfo Pérsico, ergue-se a cada dia um oásis artificial num ritmo frenético – a terra dos projetos proeminentes e grandiosos, movida pelo sonho capitalista – Dubai. Esta terra, conhecida e “marketizada” como um paraíso idílico povoado por palmeiras imensas, Maseratis, camelos e o reflexo prateado e brilhante das suas emblemáticas torres, é assim comummente apelidada como a geografia mais Ocidental do Médio Oriente, um título no mínimo curioso, pela sua já evidente contradição.

Remontando ao início da relação entre o Ocidente e o Oriente, a representação e mistificação orientalista do séc. XIX deste último era essencialmente um discurso de separação que constituiu a nossa identidade europeia, e ocidental. Ao apontar o outro como diferente, resta-nos a compreensão do que é que faz o remanescente igual e, porventura, ocidental. Atualmente, com os fenómenos de globalização e capitalização do mundo, a cisão cultural entre o Oriente e o Ocidente tem-se desvanecido, e a cultura aceleradamente homogeneia-se por todo o mundo, em que o olhar sobre o “outro” vai perdendo a sua outrora aura de exotismo e vai-se assemelhando a um reflexo, tal e qual um espelho, do próprio indivíduo. O mundo, esgotado de possíveis orientes, procura assim criar outros. O exótico permanece.

O que motiva o turista ocidental a visitar o Dubai é ainda uma incógnita para mim quanto à compreensão na totalidade desse fenómeno e gosto, com o qual de certo não me identifico, no entanto, neste mundo global em que reina a percepção de um total conhecimento sobre tudo o que nos circunda, simultaneamente, parece existir uma perpetuação deste desconhecimento relativo a quem nos é exterior. Deste modo, as narrativas sobre o “outro” surgem ainda de forma imaginada e enigmática, fascinando-nos.

Talvez o prazer e o sentimento que nos provoca o exótico seja inerente e também ele constante a nós, e nenhuma proximidade ou rede o pode dissolver, ou talvez mesmo a necessidade romântica de beber do exótico como abstração da realidade não seja tão exclusivamente romântica assim, o que leva o Homem a, esgotado de possíveis exotismos, criar novos e diferentes. No caso do Dubai, e nesta lógica, não deixa de existir um certo gosto orientalista pelo ambiente único artificialmente criado nesta cidade, e afastado da realidade, mas mantendo algumas características orientais, sendo o seu foco não a sua orientalidade de facto mas a orientalidade enquanto conceito – a evasão e o gosto pelos ambientes deslocados da realidade; aquilo que está longe.

É, pois, uma realidade longe de qualquer outra superpotência mundial porque é uma realidade que se faz única nos seus cenários surpreendentemente irreais, quer pela aparente impossibilidade de existência física que grande parte da arquitetura da cidade representa, numa hiper-verticalidade e artificialidade do espaço - dividido entre os imensos arranha-céus (de dimensões vanguardistas) e as várias ilhas criadas pelo Homem (tudo isto erguido no meio de um deserto) - quer pela escala exacerbada em que decorrem os negócios, o ritmo de construção, a vida, enfim, uma eterna promessa de “mais” que consegue provocar o estranhamento (ou deslumbramento) até num cidadão de Nova York ou Xangai. O deslumbre, por fim, de todo este Oriente bastante a Oriente do que nos é conhecido culturalmente como o Oriente.