Eric Lawson, conhecido pelo robusto “Homem Marlboro” dos icónicos
anúncios da marca de Philip Morris, morre aos 72 anos, de problemas respiratórios
relacionados com o excesso de tabaco. Foi um dos seis atores da campanha, que morreram
de doenças do mesmo género, pelas mesmas razões.
A noticia foi destaque em muitos jornais um pouco por todo o
mundo; um dos maiores ícones do branding
mundial morreu sarcasticamente daquilo que o tornou um ídolo.
No documentário antitabagista “Death in The West” os “ex-cowboys” da Marlboro, vitimas de doenças
semelhantes, são entrevistados acerca das suas vidas com doenças crónicas pulmonares,
em contraste com os depoimentos do Dr. Helmut Wakeham e James Bowling, vice-presidente
da ciência e tecnologia e vice-presidente corporativo, ambos da Philip Morris,
respetivamente.
Muitas campanhas antitabagistas sem motivos lucrativos surgiram
nesta época, sendo que esta foi das mais relevantes para o assunto em causa. No
entanto, as vendas do tabaco da marca Marlboro continuaram a aumentar, atraindo
novos fumadores de ambos os géneros. A imagem do cowboy, que respira liberdade
e independência, era ainda muito presente na mente dos jovens fumadores; em
1972 a Marlboro arrebata o topo do podium,
onde se mantem até hoje como a marca mais vendida de tabaco no mundo inteiro.
É ainda hoje, controversamente, mas inegavelmente, um dos
casos mais bem-sucedidos de branding do mundo e um pioneiro na industria
tabaqueira.
O que torna o Homem Marlboro tão icónico e a sua relação com a hegemonia em John Fiske
A taxa de lealdade do consumidor a uma marca especifica é
das mais altas do mercado para a industria tabaqueira, e é importante para a
marca atrair novos consumidores e que os primeiros cigarros a serem fumados
pela nova geração de fumadores sejam os da dita cuja. Distrair o consumidor dos
tão divulgados riscos para a saúde é também importante. Todos estes fatores são
considerados e tornaram a industria tabaqueira, nos “grandes mestres” da
publicidade. Antes de 1971, data em que foram banidos quais queres tipos de
propaganda televisivas às companhias de tabaco, a Marlboro era sem duvida a
melhor na arte do branding televisivo. Mas a Marlboro fez mais do que superar
as marcas concorrentes, trazendo uma inovadora perspetiva à publicidade
mudando-a para sempre.
A Marlboro foi a primeira da industria tabaqueira, a apelar
à sensação e ao quotidiano, pela aquilo que se dá o nome de lyfestyle advertising, uma tática
publicitária muito usada nos dias de hoje. Esta estratégia manifesta-se através
da conexão ilusória que cria entre o produto que é consumido e um certo tipo de
atividade incutida no dia-a-dia daquele que consome; a marca vende os atributos
que lhe são inerentes, através da imagem que projeta ao consumidor, mais do que
o produto em si. Neste caso, a Marlboro afirma a independência e a
masculinidade do consumidor, tornando-se num símbolo de estatuto social. O foco
do anuncio é desviado do produto isoladamente, para projetar o sentimento de
uma vida modesta, de trabalho árduo e de independência. Os atores destes anúncios
emanavam saúde e vitalidade, distanciando assim o foco das audiências para os
problemas de saúde relacionados com o consumo excessivo do tabaco.
Esta estratégia foi especialmente efetiva nos anos 50/60,
altura em que a sociedade americana tinha princípios profundamente enraizados
daquilo que um homem e uma mulher deviam ser.
John Fiske fala deste tipo de estratégias em Introdução ao Estudo da Comunicação, analisando
uma revista dedicada ao publico feminino. Começa por falar no “trabalho ideológico
realizado pelo “senso comum”, que é ironicamente baseado nos interesses da
classe dominante e não nos interesses da sociedade como um todo - “comuns”.
A Marlboro, como a maior parte das marcas de tabaco filtrado
antes dos anos 50, era direcionado para o sexo feminino. Tendo em conta a
analise de Fiske à Seventeen podemos
encontrar pontos de encontro no tipo de imagem de que a Marlboro se apropria.
O lettering da
embalagem era requintado e o slogan “Mild as May” sugeria uma delicadeza associada
ao feminino. A embalagem de papel era vulnerável a qualquer tipo de movimento
ríspido por parte da consumidora, tornando-a inapta para trabalhos pesados ou
condições agrestes. Cada cigarro vinha equipado com uma pelicula vermelha
envolvendo o filtro, mascarando qualquer tipo de marca que o batom pudesse
deixar, escusando a senhora de qualquer tipo de “embaraço”. A mulher nunca deve
ser atabalhoada ou suja e por isso este tipo de coisas eram levadas em grande
consideração.
Tal como Fiske insinua, são oferecidas à demográfica feminina
uma serie de “comodidades”, das quais elas se apropriam, tornando-se assim mais
vulneráveis perante a classe dominante. Na verdade, estes produtos não vão de
encontro aos seus interesses, mas aos interesses da classe “burguesa”.
No entanto, a marca não era particularmente popular ou
inovadora, sendo que no fim da década de 50, a Marlboro sofre um rebranding, direcionando a sua imagem
para o género masculino.
Philip Morris procurava dar enfase à dureza e à
masculinidade, espetáveis de um homem “decente”, apropriando-se de arquétipos
da classe dominante, (homem branco, heterossexual), para atrair a demográfica
de jovens rapazes que almejam a este estatuto. Os jovens são assim incentivados
a tornarem-se em minimodelos daquilo que são os homens mais velhos, a
respeitá-los e a idolatrá-los incondicionalmente.
Voltando à imagem da Marlboro, a nova embalagem mais
resistente, de abrir e fechar, insinua a resistência necessária para proteger o
seu conteúdo das condições do trabalho árduo a que o sexo masculino está tão
fortemente associado; com este novo design o consumidor é obrigado a olhar para
a embalagem sempre que fuma, sendo relembrado inconscientemente da marca,
tornando-a parte da sua identidade à medida que o tempo passa. O grafismo simples
e agressivo, sugere, a figura do cowboy, simbolizando um “curral” ou “telheiro”;
além disso é facilmente reconhecido nos ecrãs televisivos a preto-e-branco,
devido ao seu alto contraste e limpeza de traço.
A agência publicitária, Leo Burnett, encarregue do rebranding a nível publicitário foi a
principal responsável pelo sucesso da marca, fazendo uso do arquétipo de
masculinidade para atrair consumidores do sexo masculino. Ao contrário de
outras marcas deixava questões de saúde de lado, apelando unicamente à vida
quotidiana dos espetadores, que se reviam no personagem.
Na verdade, e como já referi acima, a Marlboro não era
exclusivamente popular com a demográfica masculina; as mulheres também eram
avidas consumidoras da marca. Apesar de interessante, isto não deixa de ser
espetável. Isto serve para mostrar, como os interesses da mulher, (ou de
qualquer minoria) vão de encontro com o estilo de vida que as classes dominantes
levam. Todos almejam à independência e à confiança do Homem Malboro.
O primeiro Homem Marlboro foi inspirado na foto de Leonard
McCombes e no modelo Clarence Hailey Long. O cowboy texano foi o primeiro a
aparecer como este arquétipo nos anúncios Marlboro, juntamente com outros
atores, que foram mais tarde substituídos por verdadeiros cowboys com o
aparecimento da campanha “Marlboro Country”,
em 1963. Eric Lawson foi um Homem Marlboro, de 1978 a 1980.
Á medida que o movimento antitabagismo aumentou, o homem Marlboro
tem vindo a ser atacado pelo o papel que teve em trazer novos consumidores para
a industria.
Como um ícone comercial da Marlboro, Eric Lawson sente-se
tanto insultado como reverenciado. A força deste ícone faz com que mesmo no séc.
XXI, o diminuto e simplista telheiro vermelho e o lettering inteligente ainda
sejam evocativos da mítica Marlboro Country,
de um cowboy americano e da marca nº1 que lhe causou, ironicamente a morte.