segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

DO FUTURO QUE NÃO É


Cresci numa época de sentimentos misturados. A apreensão que as evoluções tecnológicas nos traziam contrastava com a perspectiva de um mundo maravilhoso que se manifestava e adivinhava na nossa frente.
Em 1984, a Apple apresentou no intervalo do Super Bowl o que é considerado ainda hoje o melhor filme publicitário de sempre, para o lançamento da sua gama Macintosh.
Aproveitando uma narrativa semelhante ao então muito falado livro de George Orwell Nineteen Eighty-Four, publicado 35 anos antes, a Apple conseguiu através desse filme, com uma estética que muito lembra Metropolis de Fritz Lang, traduzir o sentimento existente de desconfiança na tecnologia. A solução para inflectir esse mais que provável futuro autoritário de dominação da humanidade era transferir o poder para o individuo, libertando-o do jugo dominador do Estado e das grandes corporações. A Apple apresentava a solução salvadora desse destino quase certo, sob a forma do primeiro personal computer, o Macintosh!
Não creio que em 1984 eu soubesse o que era um Macintosh ou qual a importância que o conceito de personal computer teria no meu futuro. Lembro-me de discussões esperançadas de que um dia o trabalho monótono e repetitivo viria a ser executado pelas máquinas, ficando para os humanos tarefas mais plenas de satisfação e criatividade pelo que teriam mais tempo para desfrutar a vida e valorizar a sua existência. Num mundo polarizado, com uma Guerra Fria que parecia não ter fim à vista, esta era mais uma esperança num futuro melhor, mais justo e harmonioso para todos.
Revi todos estes pensamentos enquanto assistia à série do Netflix, Manhunt: Unabomber.
De forma perturbadora consegui entender a razão do manifesto Industrial Society and its future, publicado pelo matemático, anarco ambientalista e terrorista norte americano Ted Kaczynski, mais conhecido como o Unabomber. Nele justifica os seus meios extremos de actuação como necessários para combater a perda de liberdade e dignidade humanas, resultado da utilização perversa das tecnologias modernas, transformando-nos em escravos, meros produtos de uma engrenagem social. A sua solução passava, entre outras coisas, pelo regresso a um estado primordial de conhecimento e existência, na tentativa de voltarmos a uma harmonia com a Natureza, que ele acreditava estar a ser abusivamente destruída, colocando em causa a sobrevivência de todos, incluindo das restantes espécies do planeta.
Os alvos dos seus ataques foram pessoas que de alguma forma representavam ou estavam ligadas, à investigação tecnológica, a grandes e poderosas corporações, assim como a responsáveis pela destruição do meio ambiente. Kaczynski  foi acusado de matar três pessoas, e ter ferido outras 23, em vários ataques com correspondências armadilhadas entre os anos de 1978 e 1995, tendo sido preso em Abril de 1996 após a mais longa e cara investigação do FBI.
Mais de vinte anos passaram desde que o Unabomber Manifesto, como ficou conhecido, foi divulgado. O seu autor continua um activista, revelando que o caminho que o mundo seguiu é muito próximo daquele por si preconizado. Considera-se um preso político, que o Estado Norte Americano censura através da clausura, e não um preso de delito comum.
Trinta e quatro anos após o lançamento do primeiro personal computer, o mundo é um lugar completamente diferente. Do que foi sonhado apenas o desenvolvimento tecnológico se cumpriu, não como um bem que libertou a humanidade, mas antes como uma ferramenta que tem como finalidade exercer controlo e poder. Novas formas e novas categorias de escravatura foram criadas, prendendo-nos ora por desejo, ora por obrigação, ora por sobrevivência.
No final a alienação é muito próxima da sociedade imaginada por Orwell sendo o valor do ser humano cada vez mais quantificável e, por isso mesmo, relativo.
Trinta e quatro anos após a proposta da Apple de devolver o poder às pessoas, é ela própria um dos Big Brother que nos aprisiona numa gaiola dourada, tudo vendo, tudo controlando e tudo manipulando para o seu próprio proveito.