quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

NA PENUMBRA - Recensão

Na penumbra
de Augusto Brázio
Galeria das Salgadeiras
25 de Novembro a 27 de Janeiro de 2018


Em Na penumbra, Augusto Brázio propõe-nos uma visita pelo seu trabalho fotográfico, partindo da poesia de António Osório e de Fernando Pessoa, numa exposição que se encontra integrada nos Dias do Desassossego, uma iniciativa da Casa Fernando Pessoa e da Fundação Saramago.
A flânerie está sempre presente no olhar de Brázio e as suas imagens são reflexo disso mesmo. Nesta exposição ele inverte a situação e torna o visitante num flâneur para assim poder vaguear em silêncio, pelo imaginário dos dois poetas. Não um silêncio mudo, mas o silêncio inquieto de desassossego que se move nessa penumbra que dá título à exposição. É este silêncio a linha diáfana que une os dois poetas e que nos guia pela exposição. A curadoria rigorosa conseguiu, em apenas doze imagens, estabelecer o diálogo entre eles devolvendo-o depois à fruição do público.


Um díptico recebe-nos à entrada. Nele vê-se um abrigo numa praia. Nas duas imagens, o mesmo abrigo simples e despojado. O jogo do preto e branco e da cor transforma o significado do mesmo objecto, criando uma multiplicidade que nos remete para os heterónimos de Fernando Pessoa. Existe porém, nesta imagem, um questionamento do autor sobre uma das centralidades da discussão fotográfica: o que é autêntico e o que é manipulado.


Na parede oposta, dialogando com o díptico, a imagem de um rochedo batido pelo mar, brilhando na noite. A Natureza, “que ninguém possui nem ninguém comanda” nas palavras de António Osório, reduz-nos aqui a meros espectadores do seu poder e esplendor.


A meio desta sala cruzamo-nos com seis fotografias. São imagens de imagens e ponte de diálogo entre as duas fotografias anteriores, tornando-se absolutamente centrais em toda a narrativa da exposição. Movidos por um impulso voyeurista, somos obrigados a rever vezes sem conta essas imagens, talvez a procura de respostas ou apenas para encontrar novas perguntas.


Na sala seguinte encontramos apenas uma foto; a minha preferida.
Três cães buscam algo num campo de erva alta. Deles não se vê o focinho nem o que farejam. O pelo malhado e a posição curvada dos seus corpos lembram-me hienas dissecando uma presa. A ideia repugna-me, mas a imagem seduz-me. A luz do Sol muito rasante, e o seu tom quente, denuncia o principio de mais um dia. Esta poderá ser apenas uma cena de caça, mas o enigma não tem qualquer solução. É esta tensão, de um tempo que ficou suspenso juntamente com a luz que nos ofusca, que me atrai.
Deste local consigo ver a sala seguinte e nela, perfeitamente enquadrada pela ombreira da porta, uma outra fotografia. A relação, de cor e textura, das duas imagens salta à vista e convida-nos a avançar.


Frente a esta imagem de um campo de feno, está um céu coberto de nuvens espessas. Ambas partilham os mesmos tons e o mesmo tipo de composição. A primeira é visualmente áspera, a segunda é suave. Apesar disso a primeira remete-nos para uma sensação de conforto, de acolhimento e intimidade enquanto a segunda, mais pesada, prenuncia tempestade e revolta.
Uma é Terra, outra é Ar.
O naturalismo de Osório e o misticismo de Pessoa encontram-se neste espaço da exposição.
Esta flânerie de silêncio não pretende terminar aqui, nesta ultima sala. O visitante é desafiado a continuar a sua busca pela obra dos dois poetas, como no díptico inicial, em identidades que se opõem, conflituam ou complementam.
Nesse momento, compreendemos que a imagem inicial não é apenas um heterónimo de Pessoa. É também a dualidade dos poetas aqui apresentada, funcionando como um portal que renova o ciclo da exposição lançando o observador num eterno retorno.