quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Do Outro Lado do Espelho

Museu Calouste Gulbenkian
19 Outubro 2017 – 5 Fevereiro 2018
Curadoria: Maria Rosa Figueiredo com a colaboração de Leonor Nazaré

Na exposição Do Outro Lado do Espelho somos confrontados com obras de diversos artistas. Como elemento temático destas obras está o espelho e a sua abordagem iconográfica em diversos suportes artísticos (pintura, escultura, fotografia, filme) desde o modernismo ao contemporâneo.

Para uma compreensão mais clara e organizada sobre o papel do espelho, a curadoria divide as 69 obras que compõem a exposição por 5 núcleos:
«Quem Sou Eu?»: O Espelho Identitário é a premissa explorada na primeira divisão com diversas obras que abordam a relação que temos com o espelho. Entre estas, é exibido o filme Syvato (2005) de Victor Kossanovsky (1961) que me suscitou a atenção por ilustrar o comportamento de uma criança ao ter o seu primeiro contacto com o espelho, uma ideia familiar a todos. Achei promissor o filme estar a ser passado no início da exposição, integrando-nos muito bem na temática explorada ao longo do resto da sala.
Apresentada como O Espelho Alegórico, a segunda parte da exposição leva-nos para o universo da imaginação. Estamos perante um conjunto de obras cheias de metáforas e signos alegóricos que nos levam a questionar: “O que está por detrás do que os meus olhos são capazes de ver?”. É interessante notar a escolha da obra de Paulus Moreelse (1571-1638), Rapariga com Espelho, Alegoria do Amor Profano (1627), pois para além da figura principal da pintura (a rapariga que remete intencionalmente para o prazer e beleza), podemos retirar informação dos restantes elementos do quadro (o quadro na parede que representa um episódio amoroso das Metamorfoses de Ovídio, e por um livro ilustrado com uma mulher ajoelhada diante de uma imagem de Vénus, a deusa do amor profano).
Na terceira parte da exposição: A Mulher em Frente ao Espelho: A projecção do Desejo, a selecção de obras remetem para o conceito de intimidade feminina e de descoberta do “eu”. A mostra de excertos de filmes do cineasta Ingmar Bergman (1918-2007), na minha opinião, é um elemento muito a favor nesta parte da exposição pois mostra, de forma sistemática, como o artista aborda a Mulher e o seu confronto com o espelho (elemento de delicadeza, elegância, vaidade e até terror) para falar da alma e do interior feminino.
Sendo na minha opinião a parte mais interessante da exposição, Espelhos que Revelam e Espelhos que mentem trata daquele que é para mim o modo mais desafiante do uso do espelho: a distorção e manipulação da realidade. Aqui são apresentados alguns exemplos de anamorfoses e pinturas ou fotografias inspiradas na Alice de Do Outro lado do Espelho. A obra que mais me invocou interesse foi a de uma anamorfose que consiste num gato deformado, pintado a aguarela, refletido já proporcionalmente num espelho metálico cilíndrico (Autor desconhecido). Esta obra dá-nos a ideia da dualidade realidade-ilusão.
Na última parte da exposição é apresentado o tema O Espelho Masculino: Autorretratos e Outras Experiências, sendo a minha obra de eleição um quadro de Maurice Lobre (1862-1951), A Casa de Banho de Jacques-Émile Blanche (1888), esta obra ganha importância, na minha opinião, pelo facto da figura masculina não estar lá, mas acabar por ser a personagem principal da obra. Outro fator interessante é a relação entre os elementos pictóricos e a mensagem subliminar, o interior do espaço é um lugar tratado com cores escuras (de onde a rapariga sai), e onde aparentemente a única luminosidade que existe é proveniente da luz exterior (local para onde a rapariga caminha). Esta ideia dá-nos a sensação de que ela pretende “fugir” de alguma espécie de ambiente pesado e dirigir-se à liberdade. O espelho acentua esta ideia de ambiente pesado como uma espécie de expectativa e ânsia que nunca acaba.

Toda a exposição nos envolve num ambiente de reflexão, em primeiro lugar porque conjuga obras de épocas temporais muito distantes e isso faz-nos observá-las de maneira mais consciente no que diz respeito à evolução da história de arte, ora estamos perante obras da idade moderna em que o espelho é utilizado como fonte de alegoria para um conjunto de significados e sensações que o artista pretende expressar, ora somos confrontados com obras contemporâneas que desenvolvem uma interacção com quem as observa, como estância está a presença da obra Espelho "NO" de Stefan Bruggeman, um espelho grande com a palavra “NO” escrita com tinta de spray, este objecto faz-nos confrontar com o “eu” e coloca-nos no papel das personagens pintadas nos quadros que havíamos visto anteriormente, ou seja passamos de observador (exterior à cena) para “dentro da cena”.
Em segundo lugar, outro aspeto que me despertou interesse na exposição foi a presença de espelhos ao logo de toda a sala expostos de maneira a que obrigatoriamente olhemos para o nosso reflexo (e de todo o espaço que nos rodeia). Na minha opinião estes espelhos (cortados em tiras, em forma de cortinas) contribuem para a relação obra-observador. Este ambiente, em que somos obrigados a interagir com o que vemos, salienta uma tomada de consciência – a nossa presença no espaço.

Imagem do filme "Svyato" de Victor Kossanovsky 

"Rapariga com espelho, Alegoria do Amor Profano" de Paulus Moreelse