domingo, 14 de janeiro de 2018

Gabbeh-celebração do real e das coisas do mundo


Seleccionado para o festival de cannes de 1995, gabbeh marca um novo caminho no cinema iraniano. Este cinema, reconhecido na europa por Kiarostami, carrega consigo uma tenedencia para nos fecharmos sobre o realizador de “O Sabor da Cereja “. Numa europa autocentrada e pouco tolerante , a propensão é reduzir o “Outro”, o diferente ao pouco que conhecemos (muitas vezes construções nossas, como o caso desta visão do Orientalismo, baseada em ideias e mitos de que Edward Said fala) . Mas Mokhamalbaf e os seus filmes abrem-nos caminho para extender o nosso olhar sobre este cinema, este país e este universo tão diferente.
Gabbeh, na sua individualidade própria não deixa de partilhar uma expressão identitária com o cinema de Kiarostami. O desenrolar do filme acontece na simplicidade de momentos que tecem o fio dos acontecimentos (não numa lógica de acontecimentos que criam uma história)  Em Gabbeh não se conta uma história , mas celebra-se um modo de vida que contém em si uma e muitas histórias. Este filme assenta num estilo que não é documentário nem ficção- é uma amostra da realidade com subtracções e adições particulares. Gabbeh é um tipo específico de tapete feito pelos nómadas do irão. Estes tapetes têm desenhos que representam os pensamentos de quem os faz. O filme começa com uma imagem deste tapete e termina com a mesma imagem – representando o começo e retorno ao mesmo  - num tempo circular que não segue a linha contínua e evolutiva mas que se abre e ramifica em possibilidades e histórias que retornam ao mesmo lugar – e onde tudo permanece imóvel, assim, como é e está. O próprio filme é uma tapeçaria , um trabalho que contém vários fios que se relacionam e  formam  uma peça – e que só de longe se percebe os seus motivos .
O tapete representa uma cristalização do tempo e do espaço- criação que o tapete absorve e eterniza.
Makhmalbaf pretende “tecer” o seu filme com este sentido , sendo os “fios” que ele usa  momentos simples e pessoas que se cruzam e formam este todo. Não há razão para este cruzar de fios. Simplesmente esta junção cria historias que vendo à distancia ganham sentido. O nome da personagem principal também é Gabbeh – ela própria se dissolve no tapete, e este absorve os seus pensamentos.  Os momentos que esta jovem passa com dois membros mais velhos da tribo são uma lembrança da possibilidade de amor perdida no passado. Esta rapariga tem um pretendente que a segue de local em local pronto para a resgatar. Mas a proibição do pai  mantém-na agarrada ao medo e impedem-na de fugir. O admirador vai aparecendo do nada, nas montanhas e planaltos relembrando a angústia de um amor não concretizado. Ao fugirem finalmente um dia, o pai dela mata-os logo  confirmando esta impossibilidade de que já todos estavam cientes.
Mas é esta redençao Às coisas simples , o arriscar fugir porque sim, o não ter pretensões nem objectivos maiores que o filme expressa tao bem.
A sensibilidade do momento em que o professor demonstra aos alunos a distribuição das cores do mundo – uma autentica celebração da vida como ela é – visitando a pureza das cores das coisas : “o céu é azul e o sol é amarelo “ É um momento tão simples quanto o tecer de um tapete.



 
Na última cena do filme  há uma cena com o tapete com as cores e histórias dos dois amantes fugitivos. Momento cristalizado que marcam um não acontecimento (real no tapete ) perdido no tempo.