Synecdoque, New York,
é a estreia como diretor de Charlie Kaufman, conhecido por filmes como o Ethernal Sunshine of the Spotless Mind,
Adaptation e Being John Malkovich. Com
este filme torna-se aparente a necessidade do realizador de fazer algo
direcionado à audiência, que fosse interpretado unicamente por ela. Kaufman
podia ter deixado algo que nos direcionasse para alguma interpretação concreta
do filme, mas decidiu não o fazer. Charlie Kaufman dá-nos a oportunidade de experienciar
estas realidades em primeira mão, sem qualquer amparo por parte dele. A perceção
do filme depende do individuo em si, e não é o individuo que molda a sua perceção
consoante a ideia pré-concebida. Aliás, a maneira como o filme é apresentado
não dá margem para tirar conclusões literais. Tudo pode ser e pode não ser.
Podem ser polares opostos e serem-no ao mesmo tempo.
Este é um filme que engrandece de cada vez que é visto, e se
desprende em várias possibilidades não consideradas anteriormente.
“I wanted to try to create a way in my mind that you
could see the same piece of film on different occasions and have different
experiences with it. The audience relation to a movie doesn’t affect the movie,
the movie is already set in stone. What you can offer people or at least what
I’ve decided I’d like to offer people is an ability to watch this movie now and
watch it in five years and have a different experience because you’re a
different person”
-Charlie Kaufman
A soundtrack do filme, foi realizada pelo compositor Jon Brion,
que esteve também envolvido noutros filmes de Kaufman, embora
tenha escrito letras para as musicas para este filme em especifico. Como não podia deixar de
mencionar, o nível de cuidado e atenção colocado nestes detalhes, que estão
minuciosamente colocados na construção do filme, enquadram-se harmoniosamente nas várias cenas, conferindo-lhes o tom e o peso necessários dos temas
abordados.
O filme constrói-se a partir de vários temas, que vão de
encontro ao tema principal e o mais recorrente, o conceito de morte. Não é
apenas a morte, é aquilo que ela implica e as consequências que ela traz; é morrer
com remorso, sabendo que a nossa vida foi desperdiçada; é acerca de morrer sem
que nunca fossemos realmente compreendidos; é morrer sem acabar o trabalho simbólico de
uma vida inteira.
O filme apresenta-se de uma forma brutalmente honesta sobre
o tema em questão, e a aura depressiva é inegável e de certa forma inevitável.
A honestidade implica isso. Caso contrário, o produto final não se fazia sentir
de uma forma tão genuína. O objetivo do realizador não era fazer um filme
depressivo, mas sim fazer o publico deparar-se de uma maneira direta com os
temas debatidos. Este filme requer uma espécie de introspecção, não só dos
personagens, como também da parte de quem o vê, enquanto sujeito.
A história passa-se na sua maioria em Nova York, o que não
podia ser mais apropriado para este filme em particular. Devido à sobre povoação
da cidade e também pela distância que é inevitavelmente criada entre os
habitantes neste tipo de ambiente. O filme representa isto, metaforicamente
através de paredes e janelas, metáforas que podemos encontrar ao longo do
filme. O titulo no poster principal, em que cada letra está individualmente
separada das outras por janelas é indicativo disto. Estão como confinadas às suas
próprias perspectivas.
“There’s a place I long to be. A
certain town that’s dear to me. Home to Mohawks and G.E. It’s called
Schenectady.
I was born there and I’ll die there.
My first home I hope to buy there. Have a kid ora t least try there. Sweet
Schenectady.
And when I’m buried and I’m dead,
upstate worms will eat my head.
For every person that you know, once
they’ll say goodbye and go. Think we’ll see them soon, well no. You won’t see
them again. But there’s always a last time that you see everyone. There’s
always a never again.”
O filme começa com a filha do personagem principal, Olive, a
cantar uma música acerca de Schnectady. Esta musica, foi a maneira de induzir o
publico a um pensamento que vá de acordo com os temas abordados mais tarde no
filme, para criar uma espécie de ambiência por assim dizer. À medida que ela vai cantando a sua
voz é afogada pelo som do rádio e torna-se progressivamente difícil de
entender, até se tornar imperceptível. A música não está incluída no soundtrack
do filme e o excerto em cima é uma estimativa daquilo que se pensa ter sido
cantando por Olive.
Quanto à edição do filme, deparamo-nos com um degradé de
cinzento, que nos dá acesso aos primeiros frames do filme. Isto está igualmente
presente nos últimos frames do filme, que desaparecem vagarosamente num fundo da mesma cor, que nos dá acesso aos créditos. Isto acontece para sinalizar esta
ideia de causa-efeito, que o principio se funde no o fim, e que são, no fundo,
a mesma coisa. Isto é significativo, não só pelo facto da não existência, antes
de nascer e depois de morrer, como também serve de metáfora ao facto de cada
decisão que é tomada ao longo da vida é ultimamente decisiva do fim da mesma. “O principio funde-se no o fim.”
Schenectady, é uma cidade de Nova York, onde Caden, o
personagem principal vive. O titulo do filme é na verdade, uma brincadeira
entre o nome da cidade e “Synecdoche”. A palavra Synecdoche é uma figura de
estilo em que uma parte é feita para representar um todo ou vice-versa. Esta
definição é não só relevante para as ações tomadas pelos personagens, como para
aquilo que o filme é em si. Quando um filme como este almeja a uma inspeção
daquilo que é a vida e a experiência humana, enquanto ser vivo, aquilo que está
a fazer é mostrar-nos personagens compartimentados e distintos que são criados
para representar algo que é maior do que aquilo que representam à primeira
vista. Estes personagens são feitos para refletir o todo da humanidade e
ultimamente, a sua experiência e relação com os temas abordados. Este filme é
em si mesmo, uma parte que representa um todo.
A primeira cena começa com a imagem de um rádio relógio, uma
boa escolha sendo que a passagem do tempo é indispensável na mensagem que o
filme transmite.
Debaixo deste, está o titulo do filme que nasce
vagarosamente do nada para desaparecer abruptamente no exato frame em que o relógio
muda de hora. O titulo é literalmente morto pelo tempo. A alusão a este tema é
recorrente durante o filme. Não só o titulo representa a vida e a experiência
enquanto ser humano desta, como simboliza o filme em si.
“You have struggled into
existence, and are now slipping, silently out of it.”
No rádio ouve-se o ultimo parágrafo de um poema alemão
chamado “Dia de Outono”. De seguida,
um dialogo entre os locutores da rádio. – Goodness, that’s harsh isn’t it? Well, perhaps.
But truthful. – O poema é, portanto, simbólico do filme, e o dialogo é
simbólico de uma hipotética conversa entre espetador e realizador. Isto aponta
para aquilo que Charlie Kaufman quer deste filme, que é ultimamente uma
representação sincera da experiência humana.
O personagem
principal desce as escadas e vemos a sua esposa Adele, a tossir. Esta é a
primeira coisa que a vemos a fazer no filme. Perto do final do filme esta
personagem morre de cancro do pulmão. “The
end is built into the beginning”.
Apesar de
estarem casados, pela aquilo que presumo ser à muito tempo, eles são polares
opostos. Enquanto Caden é dominado por uma obsessão mórbida acerca da sua
própria morte, Adele leva a sua vida pouco a sério, sem sequer se aperceber dos
sintomas evidentes de uma doença da qual acaba por morrer.
Neste filme a
arte é feita para simbolizar a vida de uma ou de outra maneira e estes
personagens são ambos artistas.
(comparação entre as pinturas de Adele à esquerda e a peça de Caden à direita)
Ao longo do filme a peça de teatro de Caden engrandece utopicamente enquanto as pinturas de Adele se tornam exponencialmente mais pequenas, e tornam-se progressivamente mais contrastantes. É como se Charlie Kaufman apresentasse dois extremos de um espetro. Adele que vive despreocupada, mas que acaba por morrer de um problema que ignora anteriormente, ou Caden, que se envolve tão doentiamente nos seus próprios problemas, ao ponto de não conseguir viver de todo.
Ambos acabam
por morrer eventualmente, e esta concretização tem algo de aterrorizador e
profundamente belo ao mesmo tempo.
Ao avançar ligeiramente no filme Caden lê um jornal, que
representa subtilmente aquilo em que o personagem está a pensar, recurso
recorrente ao longo do filme, onde os media servem de portal para os
pensamentos íntimos tanto dos personagens como do autor. Nesta parte do filme
referência a doença e a morte é constante nos meios de comunicação que se
encontram em plano de fundo.
Neste caso, o jornal, serve como uma introdução á obsessão
que Caden tem com a morte. A sua paranoia constante é evidentemente contrastante
com a expressão exausta de Adele ao ouvir Caden falar das suas preocupações.
O estado da relação entre os dois também se torna
evidentemente decadente durante este segmento. Ambos se mostram despreocupados
aos problemas que não lhes dizem respeito. Adele mostra-se indiferente ao
sofrimento de Caden e Caden, por sua vez, mostra-se indiferente à noticia da
rádio sobre as vitimas de um terramoto.
“There’s issues whit time passaging, very specific issues, that many people
won’t see the first time they see the movie, in that sense of a dream like reality.
Time moving in an irrational way.”
-Charlie Kaufman
A televisão mostra novamente naquilo em que Caden está a pensar. - “There is a secret something at play under the surface growing like an invisible virus of thought. But you’re being changed by it second by second.” – Este “vírus da reflexão” é simbólico da paranoia de Caden “Cotard”. Não é pura coincidência que o apelido de Caden dê nome a uma síndrome, na qual o individuo acredita, erradamente, que está morto ou que o seu corpo se putrefaz. Isto também explica a maneira como o filme apresenta informação ao publico. A maioria dos elementos estéticos de plano de fundo, dão a impressão de estarem descoordenados, em falta, ou fora do sitio, de uma maneira pouco natural, como a pintura de Adele inacabada no papel de parede da cozinha. Estas peculiaridades subtis e desconcertantes que se deixam perceber no inconsciente das audiências, resultam numa sensação de vazio e incerteza, como se alguma coisa estivesse permanentemente ausente.
Noutra cena Caden vai ao doutor, e reforçando mais uma vez a
ideia de empatia pelo outro, estes dois personagens mostram-se completamente indiferentes
ao sofrimento do homem que está em plano de fundo. Presume-se que estejam perto
da época natalícia através das decorações e da musica que toca na rádio. O
doutor diz a Caden para ir ao oftalmologista, mas Caden não percebe aquilo que
ele diz, interpretando os seus problemas de acordo com os seus pensamentos
obsessivos, de maneira a confirmá-los. Isto cria um subtil mini desentendimento
na fala entre os dois personagens, que é recorrente de cada vez que Caden
visita um médico.
(Caden e doutor, ao fundo vemos o homem, enquanto tem uma espécie de "ataque")
Mais tarde, Caden apresenta-se como realizador de teatro,
num dos ensaios da peça pela qual é responsável. Fala com um dos atores, a fim
de o inspirar para a cena e aquilo que ele diz, é extremamente relevante:
(“Try to keep in mind that a young person playing Willie Loman thinks he’s
only pretending to be at he’s end of a life full of despair, but the tragedy is
that we know that you, the young actor, will end up in this very place of
desolation.”)
Não só o ator, parece não perceber aquilo que Caden quer
dizer, aspeto que se enquadra com as falhas de comunicação recorrentes ao longo
do filme, como aquilo que é citado se aplica perfeitamente ao filme em si.
Estas “dificuldades” não se aplicam unicamente aos personagens, mas dizem
respeito ao ser humano em si, e evidentemente, às pessoas que fazem parte do
elenco da peça.
Noutra cena, vemos Hazel, outra personagem, a comprar uma
casa. Esta é a primeira cena em que o aspeto irreal do filme sobe à tona e se
torna literal. A ideia desta cena é mostrar que as decisões que tomamos na
nossa vida estão firmemente ligadas e conduzem inevitavelmente ao fim das
nossas vidas. É possível que isto seja uma homenagem a Tennesse Williams,
escritor de teatro, que passo a citar:
(“We all live in a house on fire, no fire
department to call; no way out, just the upstairs window to look out of while
the fire burns the house down whit us trapped, locked in it”)
Mencionando o inicio do texto, acerca da soundtrack do
filme, Adele vai de viagem para a Alemanha e leva Olive consigo. Caden fazia
conta de ir, mas Adele pensa que lhes faria bem estarem afastados.
Aquilo que ela diz já em si tem imensa relevância para os
temas do filme, no entanto a letra da musica que se ouve de fundo é o que nos
dá a perceber o real significado desta cena.
“No one will ever love you for everything you are. And so you build up
layers of deception and you leave out things to alter the perceptions”
Charlie Kaufman, fala do desejo universal de ser amado.
Quando estes desejos são perseguidos, versões falsas do individuo são
fabricadas de maneira a corresponder às expectativas do outro, na tentativa de
ser amado. Mesmo que duas pessoas não sejam totalmente compatíveis, através
destas farsas, podem chegar a uma compatibilidade falaciosa, que acaba por ser
desmascarada com o tempo. Charlie Kaufman lamenta como as pessoas são mais
compatíveis quanto menos se conhecem realmente umas ás outras. Isto é algo que
todos nós experienciamos de uma maneira ou de outra. No final, Adele tenta
confortar Caden com palavras que nem ela própria acredita serem verdade.
(pés da terapeuta, Madeline)
Caden volta para a terapia e explica à terapeuta que se
sente sozinho e que tem medo de morrer. Enquanto isto, o ponto fulcral da
imagem gira em torno do facto da terapeuta ter bolhas nos pés. Isto é
recorrente de cada vez que vemos a personagem no filme. Por detrás de cada
profissional está uma pessoa, com uma vida verdadeira com os seus próprios
problemas. Caden espera receber algum tipo de sabedoria divina de uma pessoa
que parece confiante e bem-sucedida, no entanto ela também é um ser humano que
comete erros e que lida com as suas próprias dificuldades todos os dias.
Noutra sessão terapêutica, Madeline, a terapeuta, impinge-lhe
um livro escrito por um menino de 4 anos, e conta a Caden que ele cometeu suicídio
aos 5 anos. Caden pergunta-lhe por que é que ele se suicidou e Madelina corta-o
a meio da pergunta e diz “Why did you?”;
emenda rapidamente a situação dizendo “Why
would you?”. Alguns teoristas acreditam que o filme simboliza uma espécie de
purgatório e que caden está morto. Isto explicaria os contornos irrealistas que
são apresentadas subtilmente ao longo do filme e a alusão à morte por parte dos
media em certos casos – “you fell, then
you died, maybe someone cried, but not your one time bride.” – Caden, tenta
realmente cometer suicídio a meio do filme, portanto, podesse assumir que ele
foi bem-sucedido e que a história se passa depois do alegado suicídio. Mais
tarde ele é descrito como um homem que já está morto, mas é possível que ele
esteja morto e vivo ao mesmo tempo. As regras neste universo são extremamente flexíveis
e nem tudo é literal.
Mais tarde podemos ver um anuncio para este livro, na altura
em que a peça de teatro se torna progressivamente mais complicada. Esta situação
de contraste, deixa Caden um tanto desconcertado. Caden passa a sua vida a
trabalhar num projeto que nunca vai ser reconhecido e uma criança de 4 anos
publica um livro que transcende décadas. Quase todas as personagens com a qual
se vê envolvido conseguiram algum tipo de reconhecimento pelo seu trabalho,
seja Adele com a pintura, ou Madeline com os livros de autoajuda por exemplo.
A viagem de Adele tinha a duração inicial de um mês, no
entanto quando Caden vai ao dentista depois da partida de Adele, e percebe-se que
vários meses já passaram desde a sua partida. Caden liga a Adele e ela
confunde-o com “Ellen”. Ele sofre uma espécie de ataque epiléptico e ao ligar
para os médicos, o homem do outro lado da linha confunde o género de Caden –
Ma’am? -.
Ellen, é na verdade, uma empregada contratada por Adele para
lhe limpar o apartamento de Nova York, e cujo Caden acaba por representar na
sua peça de teatro perto do final do filme.
No entanto, Ellen é uma personagem que não aparece no filme.
A única Ellen que se sabe existir de facto é a que Caden finge ser enquanto
limpa o apartamento. Caden escreve uma personagem para o seu teatro que nem
sequer existe. A não ser que se considere a possibilidade da peça de teatro
inaugurado antes do filme ter sequer começado, e nesse caso este filme era a
representação dessa peça. Isto é meramente especulativo, mas num filme como
este a exploração de ideias transversais é importante e deve ser celebrada.
Isto pode ser verdade e falso ao mesmo tempo. Torna-se claro que o filme
explora a ideia de que as nossas experiências de vida estão de tal forma
ligadas que são ultimamente as mesmas, numa única narrativa.
(Caden Cotard, 2015)
Ser Ellen, permite a Caden contacto indireto com Adele, contacto este, que
se deixa sentir simbolicamente. Quando Caden limpa o apartamento de Adele, “Something You Can´t Return To”, uma
música do soundtrack, ouve-se no plano de fundo. É impossível para Caden estar
próximo de Adele enquanto Caden, sendo que tem de o ser com recurso a outra
entidade, neste caso a Ellen.
Há uma possibilidade de Ellen ser o que Caden sente que
seria, caso não fizesse uso da mascara metafórica que carrega permanentemente
com ele. No teatro da vida e no que toca à identidade, todos envergam mascaras
de uma maneira ou de outra. A maneira como falamos, nos expressamos e a maneira
como falamos está de acordo com aquilo que o nosso cérebro determinou como
sendo a nossa identidade. A ideia daquilo que se considera como definição do
eu, não passa de uma coletânea de rótulos que acabam por não definir a
verdadeira essência daquilo que é uma pessoa. Na procura de caden pela sua
verdadeira identidade, as características que o definiam anteriormente vão se
desvanecendo progressivamente, uma a uma. Tudo aquilo que alguma vez definiu
Caden está agora separado daquilo que ele é verdadeiramente, da sua arte, das
suas relações, do seu nome, do seu género etc.
“As the world forgets
you. As you recognize your transience. As you begin to lose your
characteristics one by one.”
(Milicent Weems, no papel de Ellen Bascomb)
Milicent Weems é a única personagem do filme que representa
Ellen, sem ser o Caden.
Num dos mais bonitos monólogos na historia do cinema,
“Ellen” conta-nos que está presa num casamento insatisfatório, em que o marido a vê como um fardo.
Aprendemos que o sonho dela era ter uma filha com quem pudesse
fazer piqueniques, como os que fazia com a mãe quando era mais nova. Nunca
chegou a ter essa filha e ela e o marido estão destinados a envelhecer juntos,
tornando-se mais distantes a cada dia que passa.
Caden é movido a
lágrimas ao sentir a dor de alguém pela primeira vez no filme. As suas dores
são em parte partilhadas com as de Ellen.
Olive está para morrer, e durante a visita de Caden, Olive
menciona que não o consegue perdoar pelas alegadas práticas de sexo anal com o
seu amante, Eric. Eric, está claro, o marido de Ellen. A linha que existia
entre Caden e Ellen ficou de tal maneira desfocada que eles são essencialmente
a mesma pessoa.
Caden lê o diário de Olive, desde que ela se foi embora, que
continua à medida do tempo, como se ela estivesse lá. Numa dessas cenas podemos
perceber que a sua voz se alterou e que lhe apareceu o período. Aquilo que leu,
isentiva Caden a uma visita à Alemanha. Ele vê o nome de Olive num poster que
viu na rua; usa isto para a encontrar, num dos seus espetáculos privados e ela, tem de facto, a mesma tatuagem floral que fez quando tinha dez anos. Esta tatuagem não vem por acaso
e representa aquilo que penso ser, uma representação “daqueles que dão vida”.
Durante o filme a Olive é associada muitas vezes com a vida
vegetal, e isto é porque Olive representa “a vida”, especialmente para Caden. O
nome dela está associado a “Oliveira” um tipo de árvore. No inicio do filme
aparece numa casa de banho com motivos vegetais, verdes, as fezes dela também são
verdes (“it’s green, like plants”), citando. As roupas que ela veste têm ambas
padrões florais.
A única personagem com que Olive partilha um nome de arvore,
é a Hazel, e Hazel, acaba por ser, como percebemos ao longo do filme, a melhor
escolha de companhia para Caden. A conexão com Hazel era provável, mas com
Olive é inegável. Olive é a pessoa que figurativamente, dá vida a Caden.
A associação de Olive com a vida vegetal é dificilmente acidental,
no entanto é importante mencionar que outros personagens também estão
associados a flores de alguma maneira, mulheres em particular. Charlie Kaufman
brinca com a ideia da mulher ser a criadora da vida, ou que para Caden, são as
mulheres que lhe dão vida.
Independente de ser encontrar a sua filha, encontra o amor
da sua vida, ou de encontrar a mulher em si, Caden, passa a integridade do
filme em busca de mulher de uma forma ou de outra.
Tanto a Adele como a Maria, amante da Adele, nunca vestem
padrões florais, em vez disso, usam cores carregadas e lamacentas associadas
com a morte. Elas são as únicas personagens do sexo feminino que são vistas a
usar cinzento. A roupa que Caden veste na cena final do filme é também ela cinzenta.
Há uma exceção, no entanto, em que Milicent Weems é vista a usar uma espécie de
avental cinzento, que estava, no entanto, cheio de múltiplas flores coloridas.
Durante esta cena ela diz a Caden que ele está vivo e morto ao mesmo tempo. As
suas palavras estão perfeitamente refletidas naquilo que ela veste. Especulação
ou não penso que haja algum tipo de relação entre a figura feminina e a vida
vegetal durante o filme, especialmente no caso da Olive.
Mais tarde Caden fala sobre as ambições que tem, para o seu
projeto, com a respetiva equipa, e a peça transforma-se em algo maior do que se
espera à partida. A sua obsessão com a morte vai ser agora transportada para a
sua arte, na qual se torna também obcecado. Este filme é arte que imita vida
que imita arte que imita a vida e assim por diante, tornando-se cada vez mais
complexo à medida que o tempo passa. Nos ensaios para a peça, os personagens
acabam a representar versões de eles próprios, e isto não só torna difícil de
distinguir as falas do filme com as falas da situação que representam, como se
torna difícil de distinguir o filme da peça em si.
Aquilo que estamos a presenciar quanto à peça de Caden
durante o curso do filme, é a transição desta para a vida real. Ele está tão
fixado na ideia de criar algo tão honesto que qualquer alteração que faz à peça
nesse sentido, faz com que ela se torne cada vez menos numa peça e mais na vida
real. A pouco e pouco, Caden retira todo e qualquer tipo de ficção até ao ponto
que, para o elenco, mais vale ser visto como a vida real propriamente dita.
Caden casa-se com Claire, com quem tem uma filha, apesar de não mostrar grande afeto pela nova familia. O nome Claire vem da origem latina que significa “transparente”, nome representativo da maneira como Caden a vê. Caden faz uso da transparência de Claire para substituir um lugar que foi desocupado por Adele, por aquilo que é essencialmente, uma “folha em branco”. Esta informação é apresentada à audiência de uma maneira que é forçosamente brusca e fria, simbólico da natureza desta relação. Caden não evita em pensar nestas personagens como sendo menos importantes para ele, e por isso faria sentido que a cena se apresentasse de uma forma tão gelada, atropelando vários anos da relação e deixando-os no vazio.
Caden usava Claire como atriz nas suas peças, para que esta
se encaixa-se nos personagens que lhe correspondiam, e agora, faz uso dessas
mesma qualidades para substituir um papel na sua própria vida. A arte imita a
vida, mais uma vez. O dialogo da cena em que os dois se encontram torna-se
agora mais importante:
“Claire: So, could you tell me maybe
what it is that you want from me(my character)?
Caden: We’ll build it over time
together, ‘kon, try to find a real person, maybe, to model it after?”
Caden viaja até Berlim, de encontro à sua filha que tem
agora dez anos e está tatuada da cabeça aos pés (como mencionado acima). Claire está visivelmente perturbada com esta viagem e diz-lhe que "toda a gente tem tatuagens", enquanto mostra uma tatuagem de uma espécie de demónio. O facto de Caden se mostrar surpreendido com este facto, como se nunca tivesse reparado, é mais um simbolo da frieza da relação, e que Caden a vê quase, como um ser malvado, quando diz que não deve ir ver a filha a Berlim.
Caden, está agora no avião, enquanto lê um dos livro de autoajuda de Madeline, que descreve o que se está a passar no momento, na realidade do filme, enquanto Madeline aparece ao lado dele no avião. A ideia que o filme quer transmitir com isto é que cada decisão que tomamos na nossa vida, desencadeia por sua vez uma quantidade inimaginável de acontecimentos. Ela oferece-lhe uma chance de uma vida que inclui algum tipo de romance com ela, mas Caden recusa-a e por isso essa possibilidade deixa de existir. Cada escolha tomada abre novas possibilidades, mas também fecha outras.
(livro de autoajuda, que Caden lê na viagem)
Caden, está agora no avião, enquanto lê um dos livro de autoajuda de Madeline, que descreve o que se está a passar no momento, na realidade do filme, enquanto Madeline aparece ao lado dele no avião. A ideia que o filme quer transmitir com isto é que cada decisão que tomamos na nossa vida, desencadeia por sua vez uma quantidade inimaginável de acontecimentos. Ela oferece-lhe uma chance de uma vida que inclui algum tipo de romance com ela, mas Caden recusa-a e por isso essa possibilidade deixa de existir. Cada escolha tomada abre novas possibilidades, mas também fecha outras.
Nessa viagem a Berlim Caden, reencontra Hazel e é claro que
ele sempre sentiu algum tipo de proximidade com ela. Hazel tem agora uma família
constituída com três filhos, o que acaba por magoar Caden, que tenta se
suicidar depois de os ver juntos. Mais tarde vemos Caden à espera na porta da
casa de Hazel, para lhe pedir algum tipo de conforto emocional. Ela aproxima-se
do carro e diz-lhe, citando: “everyone has
to figure out their own life”, ele quer que ela olhe para ele da mesma
maneira, mas ela não se mostra disponível.
Esta cena simboliza a triste realidade, que se aplica a
qualquer tipo de relações: a partir do momento em que alguém alivia a sua
solidão, deixa de estar disponível para ajudar a aliviar a solidão de outrem. Enquanto
o conforto do outro estiver assegurado, o que há a fazer é ficar a olhar,
enquanto nós, nos encontramos, permanentemente, numa situação critica. Um lembrete de como não somos
realmente importantes para ninguém, a não ser que sirvamos algum tipo de propósito para esse alguem.
Mais tarde, Hazel é despedida do trabalho e suplica a Caden
que lhe arranje emprego na produção da peça. Esta cena serve de contraste à
anterior. Agora que o seu conforto se encontra comprometido, vem à procura de
conforto na pessoa a quem recusou conforto anteriormente.
Sammy, o stalker de Caden, aparece numa audição para a
personagem de Caden, e revela assim sem mais nem menos o que ele tem estado a
fazer este tempo todo. Ele espia Caden já à 20 anos, e é perfeitamente natural
que ele se tenha apercebido da sua obsessão com a autodescoberta, através da
sua arte. Ele usa isto para aludir Caden a contratá-lo para o papel.
Quando Sammy aparece nas audições estamos em 2025; o filme
começa em 2005. O momento em que Sammy começou a observar Caden como um voyeur, é também o momento em que a audiência começa a observar Caden como um voyeur. Sammy entra como uma
representação direta da audiência.
Todas as informações que Sammy consegue, têm uma determinada
ponta de omnisciência. Ele consegue de uma maneira ou de outra ler a mente de
Caden, no entanto ele tem informações sobre outros personagens que ele não
devia ter realisticamente.
Sinto que Sammy é tão representativo da audiência, como da
imagem de deus. Não quero com isto dizer que ele é literalmente deus, mas Sammy
quase que concede desejos ao longo do filme; desejos estes que são ultimamente
a razão pela qual alguém ia acreditar em deus. Sammy persegue Caden de uma
forma omniscente, ao mesmo tempo que nunca se deixa perceber como podemos ver
em vários pontos do filme, e só se deixa perceber quando quer ser percebido.
Ele percebe Caden e quer genuinamente saber dele.
(death in family - familia de Caden, God relieve our grief - Sammy, como aquele que alivia)
Ao longo da cena do apartamento alguma enfase é posta no seu
nome completo Samuel, e a sua conotação bíblica. O nome tem origem no hebreu e
traduz-se para “nome de deus”.
Sammy suicida-se mais tarde ao representar Caden na sua cena
de suicidio, quando este recusa a Sammy o direito de se apaixonar por Hazel, e
Caden reage friamente à sua morte. Enquanto todos os envolvidos na produção da
peça se reúne em volta do corpo de Sammy, em compaixão, Caden grita com Sammy,
agora morto, por tê-lo entendido mal. Afinal de contas Caden, não morreu. Ele
nem sequer considera Sammy como um ser humano, neste momento, todos os
personagens servem-lhe como ferramentas cruciais para alimentar a sua obsessão.
O suicido de Sammy não conta como uma perda de vida, mas como um soluço, um
entropeço para a produção do filme.
Como em muitos filmes de Charlie Kaufman, Caden é um personagem
difícil de gostar.
Caden é um personagem por quem devemos sentir algum tipo de
empatia, apesar de ele ser um grande egocentrista. Algo que reparei ao longo do
filme foi que ele não parece fazer nada por ninguém no filme a não ser por ele
próprio. Ele representa cada um dos audientes e é., no entanto, nada mais do
que um narcisista. Cada relação em que se vê envolvido, é essencialmente para o
seu próprio conforto, especialmente com Claire, que acaba por atingir os seus
limites, a meio do filme. Caden sai de casa, e vai viver no apartamento ao
lado, em grande parte para a continuar a inserir na peça de teatro como uma das
personagens. Caden continua tão obsessivo como antes.
Caden está na causa de todas a destruição que viu na sua
vida e no entanto, não consegue ver para lá de si próprio.
“You have struggled into
existence, and are now slipping silently out of it. This is everyone’s
experience. Every single one. The specifics hardly matter. Everyone’s everyone.”
-Millicent Weems, Synecdoche,
New York
Aqui repousa a síntese do filme. Caden vem a descobrir que é
Ellen. Tal como é Adele e Hazel e toda a população do planeta terra. Não quer
dizer que ele seja fisicamente estas pessoas. Ele é o Caden, e elas são Adele,
ou Hazel, ou Ellen. Eles são indivíduos, que considerados individualmente,
representam o todo da humanidade. Kaufman conta-nos que indivíduos são sinedoques
da humanidade. Espécimes do todo maior. Caden sofre porque sofrer é humano. A
dor de Caden pertence-lhe, tal como pertence à humanidade em si.















