quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Um novo olhar sobre Joan Miró.

Nunca apreciei muito a obra de Miró. Num primeiro momento, não conseguia ver mais do que uns traços desconexos e infantis com cores fortes e apelativas. Não conseguia perceber porque é que Miró era uma referência no mundo da arte. De facto, não conhecia muitas obras do autor, nem muito da sua obra…

Em abril do ano passado, desloquei-me ao Porto e fui  visitar a exposição “Joan Miró: Materialidade e Metamorfose”. A exposição contemplava, para além das pinturas, um conjunto de desenhos, tapeçarias, uma escultura, murais, colagens e, penso que, é tudo. A mostra compreende o período de 1924 a 1981. Nada mais, nada menos do que seis décadas de Miró. 
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Capa do catálogo da exposição Materialidade e Metamorfose do Museu de Serralves

No átrio ao átrio, admirei a obra que se encontrava suspensa do piso 1, uma tela das telas queimadas, caracterizada por uma técnica absolutamente inovadora e com um resultado é fenomenal. E a qual é descrita no catálogo da seguinte forma:




“5a TOILES BRULÉES Na mesma fábrica de farinha abandonada em que produziu muitos dos “Sobreteixims”, Miró fez a sua prática artística avançar mais um passo. Num ato de destruição que era também um ato de criação e transformação, cortou e incendiou cinco telas novas. As cinco […]. Miró concebeu as suas “Telas queimadas” como um ataque ao próprio corpo da arte: às suas qualidades decorativas; ao seu valor de troca como mercadoria de luxo; à sua sacrossanta pureza. Desafiando a sua própria destreza como mestre da forma e da técnica, o artista deixou o fogo determinar a trajetória da sua arte, num processo de transformação alquímica. Opondo visão e tato, apreciação distanciada e experiência próxima e física, Miró renovou e expandiu a sua prática a partir do interior desta.”. 

  

                                                                                                            
A visita à exposição transformou a minha perceção sobre o artista e sobre a sua arte. A simplicidade das suas   obras exigem da parte do espetador uma nova acuidade visual.



A diversidade de meios e materiais, bem como a expansão das fronteiras técnicas da produção artística, a inovação e a capacidade de trans-figurar dá nome à exposição, e caracteriza a sua obra – Metamorfose(s).



                                              
Destaco algumas obras, não só pela relevância no percurso artístico do autor, mas, e sobretudo, pela importância e pelo impacto que tiveram sobre a minha perceção: La Fornarina, Personagem e a Femmes Et Oiseaux.


La Fornarina

Em 1929, Miró fez da metamorfose tema da sua arte numa série de quatro “Retratos imaginários”, o maior dos quais é La Fornarina (D’après Raphaël) [La Fornarina (segundo Rafael)]. Baseado num retrato da autoria do mestre renascentista italiano de uma mulher que se pensou durante muito tempo ter sido sua amante, Miró foi gradualmente purificando a estrutura densamente povoada da imagem original: o corpo da Fornarina foi simplificado até se tornar uma volumosa massa negra; a cabeça e o peito foram reduzidos a protuberâncias bulbosas; o turbante, cujos extremos em nó foram traduzidos para formas cornúpetas, foi toscamente exagerado; e o olho transformado numa fantástica configuração de peixe. Mesmo pormenores subtis como os pedacinhos de céu que surgem através da folhagem no retrato do Velho Mestre foram trocados por uma série de salpicos vermelhos à direita da figura. […]  In catálogo (3 a Metamorfoses) da exposição Materialidade e Metamorfose do Museu de Serralves.







Por sua vez, “Personagem” salienta a força expressiva da gestualidade presente no processo da sua realização. A espessa aplicação de tinta branca permite o desenho através da incisão, à qual se sobrepõem linhas negras, num gesto caligráfico, que sugere uma figura. O signo da figura emerge nesta dialética entre fundo e forma, entre matéria e a sua subtração, entre linha e mancha.



O estilo de Miró sofreu a influência de várias tendências como o dadaísmo, fauvismo e o cubismo. As suas obras, apesar de surrealistas, são marcadas por uma grande simplicidade, tornando-se um aspeto distintivo da maioria dos pintores de sua época.


A obra que a seguir se apresenta, Femmes Et Oiseaux, tal como outras, caracteriza-se por uma forte expressão metafórica obrigando o observador/espetador a usar a sua imaginação para compreender o que o artista deseja transmitir ou, até mesmo, criar sua própria interpretação.
A obra Femmes Et Oiseaux, 1968, obra de cariz poético que combina os temas a “mulher” e os “pássaros” é, sem dúvida, uma das obras mais impressionantes de Joan Miró, repleta de uma carga simbólica, a qual provoca uma fusão entre o sonho e a realidade.

                                                                                
                                                                                                      Femmes Et Oiseaux, de 1968
                                                                                                                                                  
A obra de Miró, desde as tapeçarias à pintura, passando pela escultura, reflete uma necessidade constante de explorar todas as possibilidades e limites do objeto artístico. O artista está sempre disposto a experimentar novos materiais, novas formas e cores, a testar todas as possibilidades que o real lhe oferece conjugado com a imaginação.

Na arte, tal como em qualquer outra vivência ou circunstância da vida, é preciso ultrapassar os preconceitos. Não estamos perante uma epifania, mas a minha ignorância era redutora. Aprendi a gostar de Miró, compreendi a grandiosidade da sua arte.