Pier Pablo Pasolini é um dos realizadores de cinema mais controversos de sempre. Iniciar um filme de Pasolini é deixar-se levar para um mundo onde tudo vale, onde o tabu e o politicamente correto são abordados de forma direta, muitas vezes crua, de forma a mexer verdadeiramente com as emoções do espetador, obrigando-o muitas vezes a pensar em assuntos, como a sexualidade e os vícios, de uma forma completamente diferente.
“Saló e os 120 dias de Sodoma” divide-se em três ciclos: o Ciclo dos Vícios, o Ciclo da Merda e o Ciclo do Sangue e a frontalidade deste títulos não fica nada atrás da frontalidade com que estes três temas são abordados: quatro membros da alta sociedade (fascistas diga-se de passagem), decidem sequestrar um grupo de jovens e mantê-los aprisionados numa casa, durante 120 dias, fazendo deles o que bem lhes apetece. Estes jovens são explorados e humilhados de forma a que as quatro personalidades explorem até ao limite os seus mais íntimos desejos e vícios, sendo estes altamente mórbidos, perturbadores e incomodativos. Pasolini vai ao fundo da questão buscar tudo o que há de mais cru, de menos humano nas pessoas e explora-o neste filme.
Tudo isto é retratado de uma forma tão aberta e frontal que se torna incomodativo. Todos os desejos sexuais, os instintos carnais e mórbidos, são nos apresentados de uma forma tal que nos fica cravado na memória. Desde humanos a serem tratados como meros objetos sexuais ou como animais, a discursos altamente explícitos e incomodativos vindos de personalidades estranhas e perturbastes, chegamos a um ponto em que a vida humana e as pessoas naquela casa perdem toda a sua existência, perdem toda a sua humanidade e os seus traços característicos. São meros objetos num jogo de pessoas que exploram todos os seus problemas e vícios incomuns. Pessoas que têm um poder total sobre a vida de outras e o usam para o seu próprio prazer, sem qualquer tipo de barreiras ou consequências.
É nos apresentado então um filme sem regras, sem limites, um filme em que Pasolini consegue transpor as barreiras do politicamente correto e aceitável, explorado temas muito íntimos e considerados, para a época, como tabu pleno, de uma forma tão frontal que chega ao limite entre o banal, cru e pornográfico e a expressão artística. A genialidade de Pasolini vem de esticar a corda até esse limite sem nunca o transpor.