quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

RECENSÃO DA OBRA DE SALVADOR DALí:

Sonho Causado pelo Voo de Uma Abelha à Volta de Uma Romã, Um Segundo antes do Despertar, (1944).

Óleo sobre tela, 51 x 40,5 cm
Lugano – Castagnola (Suiça), Colecção Thyssen – Bornemisca
O elemento central da obra é uma Mulher (provavelmente a paixão de Dalí, Gala). Junto a Ela, num plano inferior, está uma pequena romã e uma Abelha que gira em torno dela.

Num Plano superior está, também uma Romã (maior),de onde sai um peixe e da boca do peixe saem dois tigres que acompanham uma espingarda, vinda do horizonte.
A relação entre a abelha e os tigres é estabelecida pelas cores (amarelo e preto) de ambos os animais, que provoca a sensação de que as abelhas são pequenos tigres.
A sequência (do plano inferior para o superior) transmite uma relação de causalidade entre a realidade («Uma Abelha à Volta de Uma Romã»), a mulher que dorme e o sonho (a Romã Grande, o peixe e os Tigres)
                A observação deste acontecimento transporta-nos para o mundo do sonho e a relação directa e causal entre a realidade e o sonho/ imaginário e o sonho e a realidade. Será que a pequena abelha através da ameaça da sua picada pode representar um perigo igual a dois tigres que atacam uma mulher que descansa tranquilamente?
Todo o cenário, em que surgem os elementos descritos, transmite-me sensações de tranquilidade (expressas nas tonalidades de azul do mar e do céu, na forma relaxada de representação do corpo feminina ou na passividade da romã indiferente à abelha que voa em torno de si) e de infinito. Até o facto da figura feminina estar flutuando sobre as rochas e as gotas de água que estão junto ao seu corpo sugerem um ambiente de serenidade e transcendência (talvez, também, o Amor Platónico de Dalí em relação a Gala justifique essa imagem). No entanto, apesar de todo esse cenário, surgem os tigres e uma arma que estão para nós, humanos, associados a um perigo, a uma ameaça. Ou seja, mesmo na envolvência de um ambiente sereno e tranquilo existem ameaças constantes, sejam elas «reais» ou existentes no nosso subconsciente e que nos «atacam», que nos assolam, tal como os tigres e a arma investem para o corpo da mulher que dorme.
No entanto, apesar dos tigres serem associados a um perigo e apesar das expressões agressivas e ferozes, surgem de forma harmoniosa no contexto, o que faz pensar que o Bem e o Mal, a Tranquilidade e o Perigo, a Realidade e o Sonho, o Consciente e o Inconsciente são partes integrantes de um todo.
                A esta obra de Dalí não estará indiferente a admiração que nutria por Sigmund Freud e as suas teorias da psicanalise e da interpretação de sonhos.
Por último, em segundo plano, mas simultaneamente num plano superior em relação aos restantes elementos, surge um elefante de Bernini. Aparentemente, nada tem que ver com o resto da obra e a sua existência até parece ser absurda. No entanto, numa análise mais atenta, o elefante de Bermini, para além de transportar, obviamente, um obelisco, também, transporta as insígnias papais. O elefante surge com enormes patas que lhe conferem um lugar superior na obra. Um lugar acima do mundo físico. Ou seja, remete-nos para o «mundo» metafísico. E, também, nesse «mundo» metafísico coexistem elementos, aparentemente, opostos: Obelisco do Antigo Egipto (em representação do politeísmos), transportado por um elefante que também traz as insígnias papais (símbolo do monoteísmo).

Esse aspecto (elefante, obelisco e insígnias), conjugado com o cenário em primeiro plano (abelha, romã, mulher, romã, peixe, tigres e arma) e aparecendo na obra como elementos aparentemente sem qualquer relação fazem-me reflectir que eles representam dois mundos: o físico e o metafísico. E que, em ambos os «opostos» coexistem de forma harmoniosa e tranquila, a mesma tranquilidade que sinto ao observar esta obra de Salvador Dalí.