Sonho Causado pelo Voo
de Uma Abelha à Volta de Uma Romã, Um Segundo antes do Despertar, (1944).
Óleo sobre tela, 51 x 40,5 cm
Lugano – Castagnola (Suiça), Colecção Thyssen – Bornemisca
Num Plano
superior está, também uma Romã (maior),de onde sai um peixe e da boca do peixe saem
dois tigres que acompanham uma espingarda, vinda do horizonte.
A relação
entre a abelha e os tigres é estabelecida pelas cores (amarelo e preto) de
ambos os animais, que provoca a sensação de que as abelhas são pequenos tigres.
A sequência
(do plano inferior para o superior) transmite uma relação de causalidade entre
a realidade («Uma Abelha à Volta de Uma
Romã»), a mulher que dorme e o sonho (a Romã Grande, o peixe e os Tigres)
A
observação deste acontecimento transporta-nos para o mundo do sonho e a relação
directa e causal entre a realidade e o sonho/ imaginário e o sonho e a
realidade. Será que a pequena abelha através da ameaça da sua picada pode
representar um perigo igual a dois tigres que atacam uma mulher que descansa
tranquilamente?
Todo o
cenário, em que surgem os elementos descritos, transmite-me sensações de
tranquilidade (expressas nas tonalidades de azul do mar e do céu, na forma
relaxada de representação do corpo feminina ou na passividade da romã
indiferente à abelha que voa em torno de si) e de infinito. Até o facto da
figura feminina estar flutuando sobre as rochas e as gotas de água que estão
junto ao seu corpo sugerem um ambiente de serenidade e transcendência (talvez,
também, o Amor Platónico de Dalí em relação a Gala justifique essa imagem). No
entanto, apesar de todo esse cenário, surgem os tigres e uma arma que estão
para nós, humanos, associados a um perigo, a uma ameaça. Ou seja, mesmo na
envolvência de um ambiente sereno e tranquilo existem ameaças constantes, sejam
elas «reais» ou existentes no nosso subconsciente e que nos «atacam», que nos
assolam, tal como os tigres e a arma investem para o corpo da mulher que dorme.
No entanto,
apesar dos tigres serem associados a um perigo e apesar das expressões
agressivas e ferozes, surgem de forma harmoniosa no contexto, o que faz pensar
que o Bem e o Mal, a Tranquilidade e o Perigo, a Realidade e o Sonho, o
Consciente e o Inconsciente são partes integrantes de um todo.
A
esta obra de Dalí não estará indiferente a admiração que nutria por Sigmund
Freud e as suas teorias da psicanalise e da interpretação de sonhos.
Por último, em segundo plano, mas
simultaneamente num plano superior em relação aos restantes elementos, surge um
elefante de Bernini. Aparentemente, nada tem que ver com o resto da obra e a
sua existência até parece ser absurda. No entanto, numa análise mais atenta, o
elefante de Bermini, para além de transportar, obviamente, um obelisco, também,
transporta as insígnias papais. O elefante surge com enormes patas que lhe
conferem um lugar superior na obra. Um lugar acima do mundo físico. Ou seja,
remete-nos para o «mundo» metafísico. E, também, nesse «mundo» metafísico
coexistem elementos, aparentemente, opostos: Obelisco do Antigo Egipto (em
representação do politeísmos), transportado por um elefante que também traz as
insígnias papais (símbolo do monoteísmo).
Esse aspecto
(elefante, obelisco e insígnias), conjugado com o cenário em primeiro plano
(abelha, romã, mulher, romã, peixe, tigres e arma) e aparecendo na obra como
elementos aparentemente sem qualquer relação fazem-me reflectir que eles
representam dois mundos: o físico e o metafísico. E que, em ambos os «opostos»
coexistem de forma harmoniosa e tranquila, a mesma tranquilidade que sinto ao
observar esta obra de Salvador Dalí.
